O APITO DO NAVIO
Eu tenho feito
viagens. Algumas maravilhosas ao meu passado distante. Lembro dos meus tempos
de criança. Lembro de Dona Mariquinha minha primeira professora, antes mesmo de
entrar no primeiro ano. Depois lembro de todas as professoras do ensino
primário, da professora Gertrudes que teve tifo quando eu estava no terceiro
ano. Neste mesmo ano operei a apendicite e quando voltei para a aula (naquela época
a gente ficava um mês de repouso), a professora que substituía a Profa.
Gertrudes era a professora Neli. Muito mais jovem e linda. Acho que ela foi a
segunda mulher por quem me apaixonei na vida (eu tinha na época nove anos).
Três anos depois eu tive uma
paixão que deve ter durado uns três ou quatro anos. Ah! Maria da Graça... Ela
até hoje nem tomou conhecimento deste amor. Foi nesta época que eu comecei a
juntar amores platônicos.
Eu lembro também de um colega, Jorge
Cascaes, meu Deus do céu! Eu tinha tanta inveja dele... Era um galã. Tinha todas
as meninas do colégio voando ao redor dele, como se ele fosse um enorme girassol,
e elas um monte de abelhas querendo o seu néctar. Eu não entendia porque eu não
era assim. Eu era simplesmente um tipinho sem graça, magricelo, sardento, e o
pior de tudo... tinha (e ainda mantenho) um par de “olhos de gato” como
chamavam os meus olhos. Era horrível ter olhos claros. Eu me sentia diferente
de todo mundo, já que comigo não estudava ninguém que tivesse olho claro. Só em
casa a gente se sentia normal, porque lá todos tinham olhos azuis ou verdes.
Desde meus pais, até meus avós, maternos e paternos.
Além disto eu era da turma dos
TFP (tímidos, feios e pobres) – eram muitos defeitos para uma pessoa só. Então comecei
a tentar compensar estes defeitos me dedicando a prestar atenção às aulas e
passei a ser um CDF (que todos sabem o que quer dizer: C... de ferro). Tirava dez
em quase todas as matérias e por este motivo atraia a atenção de professores e
alguns colegas, mas não das pessoas por quem eu era apaixonado platonicamente. Então
passei a ter pessoas gravitando também ao meu redor. Só que este interesse não era
o que eu gostaria.
Não percebi grandes vantagens na
minha autoestima, mas ela subiu alguns andares.
Esta época da minha vida, apesar
das dificuldades pelas quais passávamos, era uma época romanticamente linda. No
fim da minha criancice e inicio da adolescência – 10/12 anos eu comecei a
trabalhar, vendendo artesanato que minha mãe fazia; vendendo laranjas na porta
do colégio (que meu pai comprava em cento e eu vendia em unidades no recreio do
turno inverso, mas uma vez tive que faltar a aula pois a professora disse que
só poderia voltar se tivesse o livro – ADMISSÃO AO GINÁSIO - então faltei à aula para vender laranjas e
comprar o livro). Depois fui trabalhar, numa experiência desastrosa como cobrador
de ônibus. Porém eu estava mais encantado em viajar de ônibus do que em cobrar.
Aí um colega assumiu o lugar e provavelmente querendo a vaga trapaceou, o que
resultou na falta de dinheiro na hora da prestação de contas. Esta aventura
durou um só dia...
Sei que fui feliz nesta época,
mesmo diante de todas as dificuldades. Foi uma felicidade que me ajudou, em
cima das muitas decepções, a construir a pessoa que eu sou hoje. Talvez por
isto eu dê tanto valor a tudo o que faço, pois sei como é difícil a caminhada
para o sucesso, ou o pseudo sucesso porque muitas vezes nos enganamos pensando
ser o que os outros não acham. Tanto para o lado bom como o ruim. Por isto é
muito importante ter sempre os pés no chão.
Eu estudei numa escola pública e
nem sei se na época havia escolas particulares na minha cidade. Este era um
mundo que eu não conhecia. O meu mundo sempre foi simples e eu, apesar de ter
refinado alguns gostos, continuo uma pessoa simples. Se eu juntasse dinheiro e
o investisse, talvez fosse um homem “bem de vida”, mas eu optei por viver bem,
e todo o dinheiro que sempre ganhei foi para me dar conforto e bem-estar.
Jamais me tornaria escravo do dinheiro.
Na minha realidade de criança
havia o apito dos navios no porto Rita Maria e para descarregar combustíveis na
ponta do Leal, em Florianópolis. A Ponte Hercílio Luz com seus trilhos de
madeira, à qual eu atravessei (com medo) a pé algumas vezes. Isto era a minha
realidade.
Aquele era o meu mundo. Não havia
televisão, telefone, internet. Havia a revista Cruzeiro e Manchete. Havia Crush
e Grapette... Até que um dia apareceram os Beatles com sua música maravilhosa e
seus cabelos longos. Neste momento começou em nossas vidas uma outra realidade
que eu jamais conhecera: falta de comida em casa. Meu pai não tinha mais
clientes para cortar cabelos nem fazer barbas, pois a moda eram cabelos e
barbas grandes. Aí sim eu comecei a perceber que os apitos do navio diziam:
acorda! Mas eu ainda era muito criança... Então fui trabalhar para ajudar em
casa...
Mário Feijó
16.07.12
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