quarta-feira, 19 de setembro de 2018

RETALHOS DA VIDA

RETALHOS DA VIDA


Cada um de nós traz histórias que se entrelaçam. Estamos sempre interagindo com familiares, amigos, conhecidos e até com desconhecidos.
Dia desses encontrei Sônia que me contou a história de David. Ela o descobriu todo sujo à beira do pântano. Queria ter filhos e pensou “este é meu filho”. Levou o menino pra casa. O bebê estava todo sujo de lama tinha uma cara redonda, encantadora. Ela pensou “é parecido comigo”. Quase nem chorava, parecia fraco e faminto. Deu-lhe um banho e foi vendo o “moreninho” desbotar. O menino era branquinho e tinha olhos verdes. Devia ter quatro ou cinco meses apenas. Isto aconteceu há quase sessenta anos. Não havia burocracia e as pessoas davam seus filhos como quem dá um bichinho. Nem precisou ir à polícia registrar o fato. Foi no cartório e registrou o menino como sendo seu. Ela já estava apaixonada pelo bebê. Sentia que sua alma o gerara... O menino chorava com fome, ela o alimentava com mamadeira, mas uma semana depois sentiu algo quente na blusa. Era leite, seu instinto materno fez seu organismo produzi-lo. Agora ninguém mais o tiraria dela. Lágrimas selaram aquele encontro...
Fátima estava quieta num canto, mas lembrou de sua infância pobre e nos contou que seus pais eram pequenos produtores e tudo que tinham tiravam da roça, em seu pequeno sítio. Todo o sustento da casa era obtido naquele pedaço de terra. A mãe preparava todos os alimentos com produtos do quintal. Ela fazia comidas gostosas: café, passava em um coador de pano num bule de barro estrategicamente colocado em cima do fogão à lenha; galinhas haviam no quintal e forneciam ovos e a carne de frango; os porcos forneciam a banha, torresmo, toucinho e, também a carne; tinham Mimosa, uma vaquinha, que dava o leite e que era o xodó de Fátima e dos irmãos. A mãe, prendada, fazia pão de casa, delicioso e quentinho todos os dias, junto com broas e roscas, mas o sonho de Fátima e dos irmãos era comer um daqueles pães que haviam nas padarias da cidade. Hummmm que delícia, comentavam. Fátima falou que comeria um bem grande de uma única vez. O irmão franzino um dia arrumou emprego na cidade e com o primeiro salário comprou vinte pãezinhos. Comeu todos em sua volta para casa, de uma única vez. Contou ele, em segredo, dizendo pra irmã: - eu ia trazer pra todos, mas fui comendo, comendo, comendo e quando vi acabaram.
Todos sonhamos com coisas grandes, porém Fátima e seus irmãos sonhavam com algo tão simples, fácil de ser obtido, tão barato, tão pequeno. Hoje, graças a Deus ela come todos os pãezinhos que quer.
No outro lado da sala estava Larissa (que chegara quando o grupo já estava reunido), toda coquete, falou que tinha um amigo, o qual adorava, mas que ele sofria pelos problemas familiares. Felizmente era casado e estava longe dos irmãos, mas não conseguia ser completamente feliz porque os três irmãos eram viciados. Aline, sua irmã mais nova tinha um bebê que deixava jogado e também o maltratava. Esta é a pior. Os outros eram somente o vicio. Roubavam o que podiam e já estiveram todos envolvidos com a polícia. Maurício era um rapaz com 32 anos; casado; 1,93 cm de altura; cabelos negros, feito noite sem luar; olhos verdes e só não se sentia completamente feliz por causa dos irmãos problemáticos. Falou com Larissa na tentativa de arrumar uma vaga para atendê-los no CAPS de Capão da Canoa.
Luciane, amiga de Larissa, estava deprimida por tantos problemas que via. Sua vida também não era um mar de rosas, ela se sentia deprimida e lutava há anos contra a depressão. Mas o que mais a entristecia era Taylla, uma vizinha, com 43 anos que era um demônio em corpo de mulher. Falou pra Larissa quem sabe arrumamos tratamento também pra esta moça.
A terapeuta Adriana disse: - pode trazer tua amiga. Nós a receberemos. Para amenizar a tarde e o encontro Adriana mostrou fotos de sua família “café com leite” nascida de um relacionamento que já dura trinta e dois anos. Só podia ser mesmo uma família feliz, pois ela é uma pessoa doce e encantadora que recebe seus pupilos como se fossem filhos seus...
São tantas as histórias de vida que o grupo nos trouxe, até que o gato Bolinha, de Maria José chegou bateu com a pata num vaso no centro da sala, derrubando-o no chão, molhando a todos que decidiram ir embora, molhados e respingados de flores, disfarçando as lágrimas...

Mário Feijó e o grupo de Adriana - CAPS
(histórias criadas pelo grupo num trabalho de terapia ocupacional onde sou voluntário. FOTOS: o grupo fazendo arte com material reciclável)

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

VIDA





VIDA (aldravia)

Espelho
Refletida
Todos
Os
Dias
Vida

Mário Feijó
17.09.18

O SHOW ESTÁ TERMINANDO





O SHOW ESTÁ TERMINANDO

                O tempo passa e nós vamos percebendo (e aprendendo) que é difícil viver, ao mesmo tempo descobrindo as delícias do viver.
Viver é como subir em um palco para fazer um show com muito amor e se divertir com o que estamos fazendo. Minha vida foi assim! Minha vida, ainda, é assim!
No entanto a experiência nos mostra que somos flores e toda flor tem seu ciclo de vida, ou seja: ser botão, desabrochar e depois murchar até morrer. Estou me descobrindo a murchar e não há o que fazer contra isto.
Olhando para trás percebo que não notei os outros ciclos, mas este último me fez cair todas as fichas e faço um balanço da minha vida como se estivesse a escrever um testamento, dando adeus. Não há mágoas em meu viver, mas há pesares porque minha vontade seria viver eternamente, porém o menino que mora dentro de mim não faz mais parte do meu corpo. Todos a quem amei se foram. Cada um cuida de sua vida: amigos, filhos, netos, parentes... Alguns partiram com mágoas injustas, outros com amor no coração, todavia todos sem “tempo”.
O que eu gostaria mesmo era de apagar feito vela soprada pelo vento, sabendo que iluminei enquanto havia amor alimentando aquela luz, enquanto havia vigor. Minha luz se apaga e não há o que fazer. O coração não é mais o mesmo. Os pulmões mal processam o ar necessário ao meu corpo. A coluna mal me sustenta, ou então reclama as dores deste corpo cansado. Sinto que estou indo embora... talvez não seja hoje ou amanhã, mas não tenho mais tanto tempo para construir rancores, mágoas ou sentimentos pequenos. Tenho lucidez, levo comigo só o que me sobra de amor.
Um dia quem sabe eu possa ser uma estrela na vida dos que me amaram. Não vale a pena chorar por mim, agora ou amanhã. Deixei meus sinais de amor por onde eu passei. Quem não viu é porque tinha seu olhar voltado para o outro lado, para outras coisas, ou para outras pessoas. Não lamento, portanto não lamente também.
Este é só um momento de reflexão para mim ou para você. Não veja este texto como algo depressivo, mas como um despertar. Há tempo para modificar tudo, basta que queiramos. Tudo é possível, basta querer.
Eu me reinvento a cada dia e quem sabe depois desta reflexão eu possa ressurgir das cinzas, das minhas próprias cinzas e viver mais alguns anos. Eu não gostaria de viver muito tempo, arrastando os pés, dando trabalho aos outros. Neste momento a única coisa que eu gostaria era ter alguém que me abraçasse e que me cuidasse. Estou cansado de cuidar dos outros. Estou sendo egoísta agora. Quero que cuidem de mim. Preciso de um pouquinho de amor. Estou baixando as cortinas... meu show já acabou.

Mário Rogério Feijó
17.09.18

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

MERGULHO NO AMOR


MERGULHO NO AMOR

Diante do amor
Fico no alto da montanha
Apreciando o vale:
Sou um condor avaliando possibilidades

Algumas vezes o amor é assim
Ele nos mostra alternativas
Porque não dá para simplesmente
Abrir as asas e mergulhar de cabeça

Porém quando o amor acontece
Quando existe confiança
Solidariedade, companheirismo
Vale à pena ir fundo, mergulhar
E deixar o amor invadir você

É nestas horas
Que eu abro minhas asas
Apreciar a paisagem
E pulo da montanha sem sustos
Feito um condor que ganha a liberdade...

Mário Feijó
12.09.18