segunda-feira, 9 de abril de 2012

O ESPELHO





No espelho da sala eu descubro a minha viuvez. Sim ela estava patente na pele alva que o sol daquele ano, ainda não havia tocado. Todo o meu corpo escondia-se nos prantos que eu derramava por ti e eu definhava na dor da tua não presença.

Mas o espelho era cruel e parecia me chamar para dentro dele ao teu encontro, como se me oferecesse os abraços que eu precisava. No entanto havia em mim um resto de anos que teimava por existir. Eu nem sabia se por carma ou por teimosia mesmo.

E foi então que eu comecei a ficar indignado. É verdade, indignado mesmo. Algumas vezes reagimos e vivemos por indignação. Visto que viver por viver é simplesmente morrer aos poucos.

Eu bem que podia ter morrido. Pensava que já tinha cumprido tudo na vida, mas eu não tinha experimentado viver por indignação.

Há pessoas que tecem a morte e para desgosto destas eu sobrevivo.

Agora vivo para agradar aos peixes e às plantas. Eu sobrevivo para agradar as rosas que morriam sem mim e até as sempre-vivas que pareciam desesperadas.  Mas eu também sobrevivo para arrancar ervas daninhas, para ver as joaninhas passeando por meu jardim que não tem sapos, como no jardim de Yara que mora do outro lado do mapa.

Eu sei que cada canto do mundo tem a sua diversidade e no meu jardim há um universo encantado. Há nele duendes e um pote de ouro que o arco-íris esconde na poupança. Pobre coitado, tão avarento, jamais desconfiou que eu quero sentimentos, como amor, solidariedade, paixão, não miseráveis moedas empilhadas, umas em cima das outras. Isto é com Judas que vendeu seu amigo por um punhado delas. Eu quero apenas vida, no sentido mais visceral da palavra.

Por isto o espelho não me chama mais...



Mário Feijó

09.04.12

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