quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

ANTESSALA DO INFERNO (crônica bem humorada de um final de ano)



ANTESSALA DO INFERNO

Passar uma data festiva, fora de casa, pode ter surpresas e gerar situações desagradáveis, se a pessoa não relaxar e tiver paciência.
É indispensável que você tenha uma reserva de hotel. Jamais acreditar na fé de amigos que te dizem “não esquenta, há sempre lugar”.
Segundo não confie quando te dizem “ali na esquina passa táxi toda hora”. Passam! Mas em datas festiva passam todos lotados. Prefira ligar para o rádio táxi. É mais seguro, principalmente se você não está em seu país.
E quanto à premissa “há sempre um lugar”, lembre-se que você pode passar horas na recepção do inferno, ou seja ficar num living sem ar condicionado, em pleno verão e sem deslocamento de ar quando os termômetros marcam quase 40 graus.
Se você tiver sorte conseguirá um “quartinho” 3X4 que durante o resto do ano serve como depósito, onde você passa de lado para ir ao banheiro e também quando entra no quarto que é para a mesa não cair (mesa com dois pés, apoiada na parede por dois parafusos num buraco onde a bucha está solta... é bucha!!)
Dentro do quarto você “tenta” relaxar contando no teto os casulos de traça: um, dois, três, quatro, cinco, seis... no sétimo eu parei. Chega uma hora em que bate o desespero e você corre a cidade inteira a pé, pois na virada de ano você não consegue um táxi (já contei isto antes), na tentativa de conseguir um quarto em um hotel decente, onde a estrela não seja só a sua.
Pronto achei! O recepcionista disse que tem vaga, mas só a partir do dia 6, você vai embora dia 5. A semana das suas férias deveria ser a seguinte, mas você queria festa, então aguenta!!!
Há outras roubadas, como por exemplo, esta:
- Vamos até o final desta linha para ver aonde dá? Então você vê que o ônibus está se afastando da cidade, tudo está meio deserto, aparecem casebres. Você diz: vamos continuar. No máximo voltamos no mesmo ônibus. Lá no meio do mato o motorista diz ”destino” e te obriga a desembarcar. E depois de quase duas horas “passeando” para conhecer os arredores você desembarca no meio do mato, esperando mais meia hora um ônibus que te leve para o centro da cidade porque ali, no meio daquele bosque de eucaliptos pode, de repente saltar à sua frente uma onça ou um bando de índios revoltados por você ter invadido suas terras e ainda achar que tem algum direito.
Exageros à parte, tudo é divino, tudo é maravilhoso, nesta América Latina, mas é bom exercitar a paciência quando sair de casa.
- huuuuuuuuum... huuuuuuuuummm... huuuuuuummm...
- Vamos à uma praia? Digo a um amigo.
- Ok! Mas uma que tenha sombra.
- Procura na internet.
- Certo. Esta aqui é há 45 quilômetros. Não é longe.
- Você conhece a praia? Não! Mas é uma das melhores do país. E 45 quilômetros é rapidinho...
Foram duas horas de viagem. Então você decide não passar mais a tarde, pois quando viu a tarde já tinha passado, dentro de um ônibus antigo, fedido e lotado.
Então você combina colocar os pés na água e voltar. Sim voltar, pois já são quase dezoito horas e você terá mais duas horas de viagem em um ônibus que sairá às dezenove horas, e você tem medo de perdê-lo e não ter como voltar. E passar o 31 de dezembro fugindo de índios não vai dar...
Antes de ir colocar os pés na água, tendo em vista que ficamos com medo de parar no meio do balneário e depois não saber embarcar novamente para voltar, fomos até o final da linha... Eu disse Final da Linha, dirigimo-nos a um restaurante, bar, sei lá e pedimos uma garrafa de água. Meu amigo pediu copos descartáveis, mas o que aqui no Brasil é uma obrigação do vendedor doar canudos ou copos descartáveis, lá tudo é vendido e você paga por dois copos descartáveis. A solução é pagar ou “tomar na boca da garrafa”.
O lugar é realmente lindo. Mas a organização geral das coisas, das pessoas e a infraestrutura do país é precária. Isto que nós reclamamos do que temos.
Antes de tudo isto e mais alguns detalhes que eu prefiro excluir para não me tornar hilário por demais, entramos num supermercado para comprar uma toalha de praia ou qualquer coisa que servisse de proteção para sentar à beira mar que não fosse muito sofisticada. Tendo em vista que no câmbio eu não tinha trocado muito dinheiro, pois o pouco aqui resulta num grande número, o que te assusta. Acho assustador andar com 5.000 qualquer coisa no bolso. Parece uma fortuna. Voltando à história da toalha: no caixa com a toalha e uma caixa de bombons (tinha uma fila enorme no caixa) você entrega seu cartão com chip liberado para usar no exterior, a caixa diz:
- identidade senhor!
- Meu cartão tem chip, disse eu todo frajola.
- Aqui não conhecemos senhor. Disse a gerente que tinha sido chamada para intervir, sem nenhuma preocupação em ser descortês.
Eu retruquei:
- Mas eu estou indo à praia e fiquei com medo de perder meu cartão e deixei no hotel. Veja bem: eu o liberei exatamente para este fim e agora não posso usá-lo?
- Não podemos aceitar! É para sua segurança senhor. Disse a Gerente.
- Não lhe entendo senhor... o próximo! Disse a caixa.
E o assunto foi encerrado. Eu só estava sendo cuidadoso, já que há uns três meses eu tinha visitado este mesmo país e quando chego em casa, no mês seguinte estavam gastando no meu cartão, em aeroportos da Suiça, Alemanha e Espanha quase dez mil reais, eu não conseguia comprar ali uma toalha de praia por 129 pesos, o que no Brasil não passa de dez reais. Realmente ela estava preocupada com a minha segurança. Eu não entendo como fraudadores conseguem gastar o dinheiro da gente e nós não.
Comentei minhas agruras com um amigo e disse que se um dia fosse para o inferno já sabia como funcionava a antessala.
Meu humor não fora destruído. Eu preciso de muito e o demônio já me aprontou muitas para me derrubar com isto. O amigo que estava comigo quase se atracou com os nativos, mas eu disse: calma, relaxe!
Durante todo o dia 31 de dezembro quando você passa pelas ruas
você vê as calçadas molhadas e com papel picado e agendas picadas. Ao passar por baixo de um prédio recebi um balde com pelo menos uns 20 litros de água na cabeça e corpo. Meu amigo disse que fazem isto para limpar de tudo de ruim que acontecera naquele ano. Pode até haver um lado lúdico e poético nisto, mas por que os gólgotas se escondem ou ficam espiando e rindo pela diabrura?
Eu tinha decidido não perder a paciência. Meu objetivo era relaxar, afinal de contas os demônios sempre me tentaram e não seria desta vez que eles levariam a melhor comigo.
Voltei para o hotel, cheio de estrelas, e fazer dele o meu paraíso, usufruindo de uma cama maravilhosa, com ar condicionado, completamente pelado coberto apenas por um lençol enquanto nas ruas o sol ardia como se as portas do inferno realmente estivessem abertas e aqueles pequenos demônios estivessem nas ruas à procura de novas vítimas para as suas traquinagens, num país abaixo da linha do equador, lindo por natureza, porém parado no tempo em que se usava tangas.
Tudo isto “numa boa”, em meio à fumaça do “cachimbo da paz” que os pequenos demônios tragavam em plena praça pública.
Que tenhamos paz! Que tenhamos um ano novo maravilhoso lavado pela água que os pequenos gólgotas me atiraram...


Mário Feijó
01.01.14

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