BRASAS NOS OLHOS
As cinzas dos olhos
dela, em brasa se acenderam.
Mia Couto
Havia uma
paixão adormecida nos olhos daquela mulher. Sofrida andava desacreditada no
amor carnal. Nada mais sentia nas poucas carnes que cobriam o seu corpo magro e
sofrido. Seu último companheiro havia sido cruel. Quando ela um dia falou sobre
prazer, sobre orgasmo ele lhe dera uma surra e enquanto ela ainda estava
desfalecida pegara um ferro em brasas e lhe queimara o clitóris.
Uma semana depois quando saia do
coma percebera que a alma havia lhe abandonado. Perdera o viço, o prazer pela
vida e o prazer da carne, este com certeza ela jamais iria sentir.
Ele fora preso, mas já estava em
liberdade e no primeiro encontro lhe perguntara:
- Descobriu o que é orgasmo,
vadia?
Separaram-se porque ela cansara
do sofrimento. Aquele episódio era só um dos terríveis momentos pelos quais
passava.
Tentava refazer sua vida, mas
com dedicação única e exclusiva aos filhos. Não tinha mais viço, mas os filhos
eram o seu lume.
Passaram-se mais de vinte anos. Ela
não mais amara. Não sentia mais nada pelos homens, nem os olhava na cara. Em alguns
momentos sentia desprezo, asco por todos os homens.
Os filhos cresceram, casaram-se,
foram viver suas vidas.
Josefa passara a frequentar um
grupo de idosos. Tinha cinquenta anos, mas parecia ter mais de setenta. O grupo
fazia viagens, dançavam, cantavam, passeavam. Ela aprendera a viver novamente. Começara
a gostar de si e até a se amar. Estava permitindo o abraço de companheiras,
visto que no grupo de quase quarenta pessoas só havia dois homens, maridos de
companheiras do grupo.
A convivência com os amigos
passou a ter um pouco mais de intimidade, cumplicidade e Josefa passou a
dividir seu quarto sempre com Maria. Ela se sentia protegida quando a outra
estava por perto. Quando dormiam no mesmo quarto, embora em camas separadas.
Porém numa das últimas viagens que fizeram, no quarto, ao invés de duas camas
de solteiro havia uma cama de casal.
À primeira vista aquilo deixou
Josefa assustada, quase em pânico. Não pelo fato de dormir com a amiga, mas
pelas lembranças que a situação sugeria e que não conseguia dominar.
Resolveu abrir o jogo e contar
tudo pra amiga que lhe abraçou e passou a lhe dar carinho. Tudo aquilo não lhe
pareceu estranho e foi acalmando. Ela começou a se sentir confortável naqueles
braços e a satisfação que sentia foi reconfortante. Começou a sentir um calor
agradável no corpo e “as cinzas dos olhos dela em brasa se transformaram”. Acabara
de descobrir com a amiga o significado de um orgasmo que pensava jamais iria
sentir.
No outro dia percebeu que não
tinha vergonha do que aconteceu. Descobrira com a amiga o prazer que nenhum
homem soubera lhe dar. Agora sabia que podia amar novamente. Sabia que era
ainda jovem para o amor e que poderia vive-lo com quem escolhesse, com quem
soubesse lhe respeitar, não importando quem fosse.
Mário Feijó
22.02.13
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