A MORTE DA DOCEIRA
Alexandre adora Florianópolis, por
isto naquelas férias resolvera pegar sua bicicleta e conhecer todas as praias
ao redor da ilha, diziam ser 106.
A praia do morro das pedras era um
encanto e tinha uma vista maravilhosa, ficava bem embaixo do Retiro de Padres e
bem ali perto era a praia do Pântano do Sul. Ao passar por ali vê um senhor
parado, com uma maleta nas mãos, olhar distante, parecia um poeta buscando
inspirações. Foi até o homem e puxou conversa. Ele se chamava Antônio, era também
gaúcho (feito ele), porém estava aposentado e morava na região.
- Sabia que bem aqui houve um
crime recentemente?, disse-lhe Antônio.
- Não diga... Conte-me o que sabe,
por favor...
- Bem, encontraram um corpo de
mulher, em estado de decomposição, mas sem cabeça e completamente nu.
- Meu Deus, disse o rapaz.
- Faz poucos dias, e como estava
chovendo muito, levou mais dias para ser descoberto. Agora, toda vez que eu
passo por aqui fico lembrando disto e associo o cheiro do mar à podridão do
corpo em decomposição que vi.
- Florianópolis tem o apelido de
ILHA DA MAGIA, diz-se ser Terra de Bruxas. Teria sido um sacrifício? Perguntou Alexandre.
- Bem, o fato de ter chovido muito
naqueles dias, associado ao fato de ter havido muita trovoada, com raios e
trovões, fez o povo criar várias possibilidades, para este crime, ainda não resolvido,
disse o professor.
E há muitos suspeitos? Perguntou Alexandre.
- Eu soube que a mulher era uma
doceira jovem e viúva, que viera morar na região e que para sobreviver fazia salgados,
doces e tortas que ficaram famosos por estes lados, no entanto tinha um romance
com um pescador. Quando a história ficou séria ela fez ameaças aos filhos
menores do homem e também de destruir sua família. O homem apavorado deve ter
cometido o crime. É o que dizem por aqui. Se não foi isto, ninguém sabe o que
pode ter acontecido. Mas o amante da doceira é o primeiro e mais implicado
suspeito nesta história. Disse o professor, dando um suspiro.
- Sabe moço, falou Sr. Antonio,
ainda lembro de uma torta de maracujá com chocolate que comprava no mercadinho,
soube que era ela quem fazia. Dá água na boca lembrar aquilo.
- Infelizmente, isto não mais
importa agora, não é meu senhor? Não vamos macular tão linda paisagem com tristes
lembranças, falou Alexandre. Tenho que me ir. Foi um prazer conhecê-lo,
estendeu a mão machucada, forte, áspera, mas machucada, contrastando com a mão
macia do velho professor.
O rapaz pegou sua bicicleta e
partiu. O homem ficou olhando aquele jovem e começou a se perguntar onde ele
poderia ter machucado tanto assim suas mãos. Mas deixa pra lá, pensou Antônio e
voltando a olhar o mar e as pedras que nele batiam com tanta força. Coisas da
natureza, pensou.
Alexandre partiu pensando na noite
daquela sexta feira quando passeava por ali, sozinho em sua bicicleta com o
tempo se fechando e ameaçando chover. Reviveu novamente todo o horror que tinha
sentido quando aquela mulher dele se aproximara tão sedutoramente,
comportando-se feito uma vadia, embriagada, querendo com ele transar. Lembrava sua
ex-namorada, sempre tão risonha, gostosa e que parecia lhe amar. Fugira com
Fábio e dissera vir morar em Florianópolis, mas não era possível que fosse ela
e diante disto, pensando na traidora empurrou a mulher que perdera o equilíbrio
e caíra lá embaixo, entre as pedras. Alexandre fugira dali desesperado. Não sabia
o que fazer. Foi então que parou no mercadinho do caminho, comprou uma faca de
açougueiro e voltou a pé. Escondeu sua bicicleta no meio do mato e levou sua
mochila, com a faca dentro.
No local, como não havia uma alma
na rua e já era noite, resolvera descer entre as pedras e com a lanterna do
celular, procurava o corpo da mulher. Encontrou-o. Tirou toda a roupa, que
colocou na mochila. Examinando o corpo, viu que estava com o pescoço quebrado. Pegou
a faca e separou-o do corpo. A mulher já estava morta mesmo, e parecia-se muito
com sua ex. Colocou a cabeça na mochila, desceu até o mar e entrou na água. Era
uma água gelada. Assustadoramente gelada, feito aquele corpo, feito a sua alma,
feito o seu que agora tremia de frio e pavor. Pegou o blusão que estava separado,
vestiu e foi em busca da bicicleta.
Não havia pensamentos na cabeça de
Alexandre. Era uma mistura de sensações e sentimentos. Ele não conseguia
raciocinar direito. Será que Marina o havia reconhecido e por isto tentara
seduzi-lo? Era crime o que fizera ou fora legítima defesa? E agora que tinha a
cabeça da mulher na mochila o que ia fazer?
Estava próximo à beira-mar que sai
do túnel e que vinha para o aeroporto, mas ele não iria naquela direção, então
procurou um lugar mais claro, e mesmo diante do horror que sentia retirou a
cabeça da mulher da mochila. Era mesmo Marina. Sem saber o que fazer e diante
de tantos desatinos já cometidos jogou a cabeça, enrolada nas roupas que tirara
do corpo no riacho que havia ali perto.
Tinha medo. Continuava tremendo de
frio e pavor, mas agora seguiria em frente. Não iria se entregar. Queria ir
embora, mas ficara só para poder descobrir que pistas haviam. Agora que nada
direcionava pra ele resolvera que não ficaria mais um minuto naquela terra tão
bela, mas que iria continuar escondendo mais um segredo, além de todos os
segredos que as bruxas escondiam por ali.
Mário Feijó – 19.05.15