AS
BONECAS DA TIA LOURDES
Outro
dia fui visitar uma das irmãs de minha mãe – tia Lourdes – hoje com 84 anos. Ela
mora junto com tia Magdalena que tem apenas 72 anos. Moram juntas por opção e
carma, eu penso.
Eu
tinha levado um amigo junto e estávamos sentados na sala, em duas poltronas do
sofá que não eram ocupadas por bonecas de todos os tamanhos. Nos cantos haviam
mais algumas que tinham quase um metro de altura. As demais ocupavam, além do
sofá de três lugares, estantes e prateleiras da casa de madeira.
Algumas
destas bonecas foram sendo acumuladas no decorrer dos anos de sua vida de
casada. Nossos filhos cresciam e as bonecas iam sendo repassadas à tia Lourdes
que optou por não ter filhos.
As
bonecas eram tidas como lembranças dos sobrinhos-netos e outras que eram
presenteadas por amigas que foram descobrindo o seu amor por colecionar
bonecas, como se fossem filhos.
O tempo
passou e algumas destas bonecas foram ganhando uma aparência estranha,
sinistra. Minha tia não percebia isto. Nós também não percebemos quando os
filhos mudam com o passar dos anos e os tratamos sempre como crianças. Eu também
não percebera isto, mas o amigo que estava comigo achava tudo estranho, muito
estranho.
De
repente toca o telefone. Meu amigo levou um enorme susto. Eu fiquei intrigado e
perguntei por que? Ele não respondeu e começou a fotografá-las. Entre elas há
algumas que nem são mais fabricadas. Outras são simples bonecas de plástico, de
cerâmica ou pano. As que considerou mais sinistras fotografou-as e foram mais
que dez...
Eu
penso que com o passar dos anos as bonecas passaram a incorporar os dramas e as
dores incontadas de minha tia Lourdes.
A família
é grande e ela uma das minhas tias mais velhas. Minha mãe, se fosse viva teria
82 anos.
Tia
Lourdes reclama que os sobrinhos não a procuram, mas isto é resultado de sua
falta de amabilidade com eles no passado. Eu ouvi os dois lados. Alguns primos
reclamam que ela não era muito receptiva com as visitas.
Hoje
não lhe restaram crianças. Todos crescemos, mas as bonecas estão por toda a
casa como se fossem sombras das crianças que por ali nunca passaram, nunca
correram...
Mário
Feijó
31.01.14