EU OU VOCÊ?
As gotas de chuva que agora caem parecem penetrar minh’alma. Eu
já não sei se lavam a terra ou desnudam os meus pecados. Corre na terra toda a
tinta que escondia minha face. As minhas mãos tremem como se eu sofresse uma
crise de abstinência, porém eu não era viciado em nada...
Um momento...
Lembrei. Estava viciado em ti. Na tua presença que agora só retorna na minha
senilidade. Eu já não lembro do que faço agora. Eu já não lembro dos meus
momentos de há pouco, mas lembro do nosso primeiro encontro. Lembro do teu
olhar. Do teu sorriso que tinha um jeito “bandeiroso” de dizer cheguei. É tu
eras assim. Algumas vezes tão singela quanto um “amor perfeito” noutras tão
desastrosa quanto um elefante numa sala de cristais.
Não importa.
Agora nada mais importa. Ficou o vazio e a saudade. Ficou a ausência de todos
aqueles que poderiam me ajudar, mas que me viraram as costas. Suas desculpas
que lembrariam de ti... e com isto esqueceram de mim. Esqueceram que tenho que
superar tudo sozinho. Sei que agora não sofres, mas a mim quem ajuda? Tua família
preocupou-se com as joias, a casa, os móveis, o dinheiro...
Será que
estas pessoas algum dia amaram? Será que estas pessoas conhecem o amor, a
solidariedade, a confiança, o perdão, o carinho?
Tudo é
muito difícil depois de uma perda. Além do mais dói a gente pensar que de
alguma forma é o responsável pela morte de um ser querido. Dói a gente ver nos
olhos de algumas pessoas a acusação velada. Dói a falta de perdão, de
solidariedade, a solidão.
E quando
você pensa que pode continuar ou reconstruir sua vida, as pessoas te cobram “um
luto” que não é possível para quem quer sobreviver. É como colocar a pessoa
numa solitária e dar-lhe, no máximo, água esperando que ela sobreviva até o dia
que tiver que ser. Então o seu corpo seca, a sua alma seca, perde a cor... aí
vem a chuva e leva embora as suas tintas, a sua cor, a sua vontade.
Neste momento
você começa a se perceber transparente, sem desejos, emociona-se com uma
música, um comercial de carro, de margarina e até com bichos atropelados na
estrada.
É assim que
eu estou agora: transparente. Ninguém me vê. Muita gente talvez preferisse que
a vítima fosse outra. E eu sem entender continuo sem saber quem realmente é ou
foi a vítima: eu ou você?
Mário Feijó
28.08.12