sexta-feira, 28 de setembro de 2012

ENQUANTO O TEMPO PASSA


ENQUANTO O TEMPO PASSA

(Relato de uma linda história de amor)

 

Estávamos os dois, sentados na varanda. Ela se balançava numa cadeira, destinada a este fim, gozando o prazer de retornar à infância. Eu, próximo, sentei-me numa cadeira de vime e olhava seus belos olhos azuis, agora desbotados pelo tempo. Aos meus pés, nosso cão vira-latas, que chamamos de Tornado, visto que o bicho vira e revira tudo por onde passa.

Eu a chamava apenas de Mariazinha. Fora meu amor desde a adolescência. Encontramo-nos um dia na praça e fora amor à primeira vista. Eu jamais olhei para outra mulher com a mesma paixão que tive por Maria Leocádia. E penso que ainda tenho, pois acredito que o amor não morre, só os jovens e os modernos pensam assim, eu venho de outros séculos.

Hoje ela nem sabe mais quem eu sou. O tempo, a idade e o vento levaram a sua memória, mas eu sei quem ela é. Continuo a amá-la como a amei naquela primeira vez em que vestia um vestido floral de algodão. Era a mulher mais linda que eu já vira, no entanto, eu não parei de pensar nela como se fora um anjo, desses que Deus coloca em nossas vidas e que fica conosco até a morte.

O meu amor por ela ia além do seu cheiro de maracujá. O meu amor por ela ia além das comidas que ela me fazia todos os dias, como se fizesse mágicas sobre o fogão. Ela me encantava e eu jamais pensei noutra, mesmo agora, passados setenta anos, desde que nos conhecemos. Mesmo agora, em que algumas vezes ela me olha como se nunca tivesse me visto, porém eu sei que ali dentro ainda mora o meu amor. Eu ainda vejo dentro daquele corpo alquebrado, neste planeta há oitenta e oito anos.

Sei que também não sou mais o mesmo e meus noventa anos pesam. Por isto estou aqui lhe fazendo companhia; colocando no seu colo um cobertor quando venta ou faz frio; dando-lhe de comer, sempre que é a hora de fazê-lo, porque ela se esqueceu de tudo, inclusive de mim.

Temos um ao outro e eu jamais a colocaria em um asilo. Hoje tenho uma ajudante que cuida da casa e que me auxilia nas horas mais difíceis.

Somos duas velas que teimam em continuar acesas e no dia em que a luz dela se apagar, a minha também se extinguirá. Bem sei, que não somos eternos, nossa trajetória ainda não terminou e temos que cumpri-la até o fim.

Ontem eu pensei que ela partiria e me deixaria aqui sozinho, por quanto tempo eu não sei dizer, mas afirmo que seria meu fim – eu vivo por ela.

Lembro-me dos nossos tempos de namoro, noivado e casamento. Nossos filhos, agora espalhados pelo mundo. Foram três: duas meninas e um menino. Todos casados. Temos quatro bisnetos, mas só os vemos nos finais de ano, esporadicamente, pois mesmo assim às vezes nem aparecem. Porém eu não cobro nada deles – criam-se os filhos para o mundo.

Fomos sempre muito felizes e agora apesar da melancolia e apatia que virou nossa vida, eu ainda, tenho prazer em escrever minhas memória, meus poemas, minhas crônicas e contos – enquanto o tempo passa...

 

Mário Feijó

28.09.12

 

 

PS. Esta é uma obra de ficção, mas não deixa de ser o que eu sempre sonhei para a minha vida, em todos os relacionamentos que já vivi, mesmo agora quando estou sozinho, ainda penso num amor eterno.

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