ENQUANTO O TEMPO PASSA
(Relato
de uma linda história de amor)
Estávamos os
dois, sentados na varanda. Ela se balançava numa cadeira, destinada a este fim,
gozando o prazer de retornar à infância. Eu, próximo, sentei-me numa cadeira de
vime e olhava seus belos olhos azuis, agora desbotados pelo tempo. Aos meus
pés, nosso cão vira-latas, que chamamos de Tornado, visto que o bicho vira e
revira tudo por onde passa.
Eu a chamava
apenas de Mariazinha. Fora meu amor desde a adolescência. Encontramo-nos um dia
na praça e fora amor à primeira vista. Eu jamais olhei para outra mulher com a
mesma paixão que tive por Maria Leocádia. E penso que ainda tenho, pois acredito
que o amor não morre, só os jovens e os modernos pensam assim, eu venho de outros
séculos.
Hoje ela nem
sabe mais quem eu sou. O tempo, a idade e o vento levaram a sua memória, mas eu
sei quem ela é. Continuo a amá-la como a amei naquela primeira vez em que
vestia um vestido floral de algodão. Era a mulher mais linda que eu já vira, no
entanto, eu não parei de pensar nela como se fora um anjo, desses que Deus
coloca em nossas vidas e que fica conosco até a morte.
O meu amor
por ela ia além do seu cheiro de maracujá. O meu amor por ela ia além das comidas
que ela me fazia todos os dias, como se fizesse mágicas sobre o fogão. Ela me
encantava e eu jamais pensei noutra, mesmo agora, passados setenta anos, desde
que nos conhecemos. Mesmo agora, em que algumas vezes ela me olha como se nunca
tivesse me visto, porém eu sei que ali dentro ainda mora o meu amor. Eu ainda
vejo dentro daquele corpo alquebrado, neste planeta há oitenta e oito anos.
Sei que
também não sou mais o mesmo e meus noventa anos pesam. Por isto estou aqui lhe
fazendo companhia; colocando no seu colo um cobertor quando venta ou faz frio;
dando-lhe de comer, sempre que é a hora de fazê-lo, porque ela se esqueceu de
tudo, inclusive de mim.
Temos um ao
outro e eu jamais a colocaria em um asilo. Hoje tenho uma ajudante que cuida da
casa e que me auxilia nas horas mais difíceis.
Somos duas
velas que teimam em continuar acesas e no dia em que a luz dela se apagar, a
minha também se extinguirá. Bem sei, que não somos eternos, nossa trajetória
ainda não terminou e temos que cumpri-la até o fim.
Ontem eu
pensei que ela partiria e me deixaria aqui sozinho, por quanto tempo eu não sei
dizer, mas afirmo que seria meu fim – eu vivo por ela.
Lembro-me
dos nossos tempos de namoro, noivado e casamento. Nossos filhos, agora
espalhados pelo mundo. Foram três: duas meninas e um menino. Todos casados. Temos
quatro bisnetos, mas só os vemos nos finais de ano, esporadicamente, pois mesmo
assim às vezes nem aparecem. Porém eu não cobro nada deles – criam-se os filhos
para o mundo.
Fomos sempre
muito felizes e agora apesar da melancolia e apatia que virou nossa vida, eu
ainda, tenho prazer em escrever minhas memória, meus poemas, minhas crônicas e
contos – enquanto o tempo passa...
Mário Feijó
28.09.12
PS. Esta é uma
obra de ficção, mas não deixa de ser o que eu sempre sonhei para a minha vida,
em todos os relacionamentos que já vivi, mesmo agora quando estou sozinho,
ainda penso num amor eterno.