A PRESSÃO PARA VIVER
Ontem eu lembrei do meu tempo de
menino. Quase tão perto eu diria. E queria logo crescer, talvez pelas inúmeras
surras que apanhava. Hoje os tapas que educavam são criminosos. Então muitos
filhos passaram a cometer crimes porque não mais apanham, nem recebem castigo. Perderam
o medo, e até o respeito.
Eu lembrei que tinha menos de
sete anos e por ter tirado a calça e mostrado meu pênis excitado para uma
menina da vizinhança (que tinha pedido pra ver), na frente do meu irmão, este
contou para o meu pai e eu apanhei uma surra daquelas. Porém lembro até hoje
que não havia maldade ou malícia no ato. Era puro exibicionismo de criança, de um
lado, e curiosidade do outro.
Também lembro que apanhei por
ter chamado meu irmão de palhaço. Mas foi uns tapas merecidos, pois eu sabia
que palhaço era nome feio, portanto proibido de ser pronunciado.
Depois de quase 60 anos, e
algumas “quase” mortes eu aprendi a dizer “merda” e a mandar “à P.Q.P.”. Hoje
as meninas, desde pequenas falam “caralho” e “porra” com a maior naturalidade,
como se dissessem pipoca ou chocolate. E a gente tem que não se horrorizar,
para não ser tachado de careta e retrógrado. Outro dia eu expliquei pras minhas
netas de 15 e 16 anos o que as palavras significavam. Nunca mais ouvi elas
pronunciarem tais vocábulos.
Quando criança eu gostava de
brincar de amarelinha e de queimei, esconde-esconde; bolas de gude e de pular
dos degraus da igreja.
Houve uma vez em que cozinhamos
um grilo e demos para um vizinho menor comer. Acho que estávamos iniciando na
culinária chinesa (no entanto até hoje sinto remorso por isto).
O pai dos meus amiguinhos da
vizinhança, Sr. Juca, era dono de uma mercearia e lá vendiam também sorvetes,
ficava bem na frente do colégio onde fiz os primeiros anos: “Grupo Escolar José
Boiteux”, no Estreito, em Florianópolis-SC. Aquilo era o paraíso, tanto a escola
quanto a mercearia do Sr. Juca e da D. Ranildes. Eles tinham duas filhas e dois
filhos. A filha mais velha, Neusa, foi o meu primeiro amor infantil, mas acho
que até hoje ela nunca soube disto. Algumas vezes passamos a vida inteira sem
dizer às pessoas que as amamos. Sim eu a amei. Mas não é o mesmo amor de gente
grande. Era um amor grande, de gente pequena, se você me entende.
Somos assim: nunca dizemos “eu
te amo” para nossos pais, para nossos irmãos, algumas vezes nem para nossos
filhos. Eu nunca ouvi meu pai ou minha mãe dizerem que me amavam. Hoje eu digo
para os meus filhos e eles não acreditam. Por que será que nunca acreditam na
gente? Por que será que sempre pensam o contrário do que sentimos?
Parece ser mais fácil odiar, e,
em ódio todos acreditam. Mas por que não acreditar no amor quando são os bons
sentimentos que nos fazem crescer? Quanta coisa na vida mudaria, se disséssemos
mais “eu te amo”...
Fui ensinado a ter medo do amor.
Até hoje eu digo e me entrego, mas é sempre uma entrega receosa.
E quando a vida segue,
aprendemos a ter medo do mundo. Eu aprendi a ficar atento, porém continuo
acreditando nas pessoas, mesmo nas que não acreditam mais em mim. Eu sempre fui
e sou solidário...
É fácil pensar que temos
milhares de amigos quando somos crianças e também adolescentes. Ai quando
finalmente começamos a trabalhar, acreditamos que todos no trabalho são nossos
amigos, mas no trabalho temos colegas. Podemos até fazer um ou outro amigo, mas
trabalho é ambiente de disputa e onde há disputa, as amizades são fugazes. Ambiente
competitivo é fértil solo para traquinagens.
Chega uma hora que, quem sobrevive
envelhece e quando não temos alguém como companheiro(a) arrumamos um bando de
velhos ranzinzas para ter por perto, com medo da solidão. Nesta hora ninguém
tem mais paciência uns com os outros e todos resolvem ser honestos... então
somos obrigados a ouvir verdades que não queremos, a aturar o mau humor uns dos
outros. Tudo em nome de um companheirismo medroso. Medo da vida. Medo da
solidão.
Então para não sermos iguais (e
somos) tomamos pílulas, para mijar, para cagar, para peidar, para pressão não
subir e até para trepar (hoje em dia tem jovem tomando desde cedo, coitados).
Infelizmente é isto o que nos
sobra daqueles tempos tão glamourosos e que na época pareciam tão difíceis. Difícil
é viver sozinho, sem um amor por perto.
Mário Feijó
26.06.15
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