SER INVISÍVEL
Éramos seis irmãos e ainda
somos, antigamente mais unidos que hoje. Criança faz barulho: corre, grita,
canta, brinca. Os quatro mais velhos tinham no máximo um ano e três meses de
diferença entre um e outro. Éramos unidos, mas brigávamos bastante por qualquer
coisa, mas nada muito sério, igual à maioria das famílias. Passados dez anos
nasceram mais dois e completou-se o grupo de seis irmãos. Sendo eu o mais
velho.
Muitos filhos, para os tempos
de hoje, penso eu, porém dois irmãos de meus pais tiveram dezessete cada um. Crescemos
crianças com pouco amor e atenção dos pais. Eu me sentia invisível aos olhos
deles, principalmente para meu pai, que parecia ter seus olhos todos voltados para
minha irmã, a terceira de todos.
Ganhei a responsabilidade
informal de ser o tutor de todos, ai quando alguém fazia uma diabrura – uma arte
qualquer que desagradasse meu pai, ou que minha mãe queixosa contasse a ele – eu
me tornava visível e a “Iracema tira a teima” entrava em ação no meu lombo ou
qualquer parte do corpo. Era dolorido e cruel, eu lembro (Iracema era uma vara
ou cinta que servia para nos castigar). Porém na maioria das vezes era somente
eu quem apanhava as surras, os outros eu não lembro se foram surrados alguma
vez.
Cresci e fui cuidando mais de
mim. Logo me tornei adulto e tive uma família para criar e sustentar, afinal de
contas casei com 23 anos. Nunca deixei de me preocupar com meus pais, enquanto
estiveram vivos, nem com minha avó, que faleceu com 97 anos. Tampouco deixei de
estar vigilante com minhas tias. Sempre as visito, principalmente as da família
da minha mãe.
Hoje estou morando sozinho, mas
minhas “antenas” estão sempre ligadas em relação à família que cresceu muito:
atualmente são quatro filhos e oito netos. É muita gente para cuidar e eu estou
chegando numa idade que sou eu quem precisa de frequentes cuidados. Está muito
claro que se precisarem é só ligar e estou presente. No entanto eu me sinto
invisível aos olhos deles.
Gostaria muito de ser invisível
– literalmente – e sei que a oportunidade acontecerá tão logo eu morra, aí
poderei saber se o amor que plantei nos corações ainda existe, mesmo que tarde.
Sei, ainda, que ninguém é
eterno, porém o amor e as coisas que fazemos a quem amamos torna-nos imortais,
como se fossemos escritores numa academia de letras da vida...
Mário Feijó
05.07.17
PS. Trabalho produzido na
Oficina Literária Mário Feijó
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