terça-feira, 8 de setembro de 2015

HÁ 862 anos

HÁ 862 anos

Era o ano de 1.153 d.C. Numa vila distante, na Ilha de Lewis, na Escócia.
Ele chamava-se William tinha 24 anos e pertencia a uma família modesta, porém abastada para os padrões da época. Tinham terras e quem tem terras, sempre tem poder. O mar próximo também sempre foi fonte de alimentos.
Ela chamava-se Aphril, pertencia a uma família menos abastada, por isto Aphril trabalhava como dama de companhia de uma condessa que possuía uma mansão na região, e nas épocas mais quentes passava uns tempos na propriedade. Os criados não eram dispensados quando a condessa Mary Bernardet de Bourbon não estava na mansão. Aphril tinha apenas 17 anos quando fora ao mercado a céu aberto adquirir mantimentos para a mansão, visto que sua patroa deveria chegar a quaisquer momentos.
Aphril tinha olhos verdes, 1m70cm de altura, cabelos crespos, cintura moldada por espartilhos, pernas longas, sandália gregas amarradas às pernas com suas tiras de couro. Era uma moça bem falante e desinibida. Discutia preços com os mercadores, regateando e pedindo bônus em cada compra. Sua atitude despertou a atenção de William que vendia parte da mercadoria que produziam em sua propriedade e também parte da pesca que seu pai trazia do mar.
William era um jovem ruivo queimado do mar, alto, atlético e magro que parecia ter 2 metros de altura, mas media 1m,93cm. Era alto o suficiente para chamara a atenção de homens e mulheres e seus dentes refletiam luz quando ele sorria, de tão alvos que eram.
Não passaram desapercebidos um do outro. Isto os fez pensar “na próxima semana eu voltarei”. Não disseram nada, só se olharam, só se avaliaram.
Como era de se esperar na semana seguinte os dois jovens estavam presentes no mercado livre. Quando se viram, o coração de ambos disparou. Não sabiam o que fazer, não sabiam o que falar um ao outro. Ela aflita esperava que ele lhe dissesse algo. Ele não conseguira. Resolvera que lhe escreveria uma carta e na próxima semana colocaria em sua cesta de compras.
William gritou bem alto para todos ouvirem:
- Amigos clientes venham sempre. Na próxima semana estaremos aqui novamente com produtos sempre frescos, especialmente para vocês.
Aphril entendeu a deixa e disse:
- O senhor poderia nos trazer três quilos de peixe fresco. Cedo virei buscar.
William apenas sorriu, confirmando que havia compreendido.
...


Voltando ao passado.

Aphril estava feliz. Chegara à mansão cantando, cabeça meio que nas nuvens, mas feliz.
Agatha a governanta percebera que algo estava acontecendo por ali. Interrogou, mas nada descobriu. Perguntou ao cavalariço e jardineiro, mas este também não sabia nada, visto que não percebera nada incomum.
A semana parecia não passar. Aphril que também era cozinheira queimara alguns pratos e outros deixara salgados demais.
- Está apaixonada, Aphril? Perguntou Agatha.
- Não senhora. Desculpe-me, prometo prestar mais atenção quando a condessa estiver presente. Não acontecerá mais isto. Prometo...
- Espero que sim. Se a condessa reclamar sabe que não posso protegê-la. Terei que substituí-la.
- Por favor senhora. Prometo que não acontecerá mais, disse Aphril.

Segunda-feira – dia de mercado livre

Aphril arruma-se como nunca se arrumara para ir ao mercado. Por onde andava deixava um rastro de perfume.
Agatha pensara: aí tem... e avisa ao cocheiro e ao cavalariço que irá junto ao mercado.
Aphril levara um susto com a notícia, pensando que não iria, mas Agatha a tranquilizou dizendo que precisava escolher uns tecidos para a confecção de novos lençóis e toalhas e que isto não poderia delegar a ninguém. Ela mesma precisava fazer tais escolhas.
No mercado livre, Aphril fora primeiro na banca de William buscar suas encomendas. Quando ao terminá-las percebeu a carta em seu cesto, apanhando-a muito rapidamente e escondendo-a em um bolso do vestido rodado e pregueado. Seu rosto queimava de ansiedade e pudor como se houvesse roubado algo. A carta no bolso que de vez em quando tocava, para ter a certeza de que existia mesmo parecia que lhe queimava as coxas, pela proximidade do toque do bolso do vestido nelas. Um toque que jamais percebera, visto o tecido leve de algodão nem causar-lhe ranhuras, mas naquela manhã havia ali uma saliência e quem sabe quantas outras mais estariam escritas naquele envelope.
Fizeram todas as compras e voltaram para a mansão ainda antes das dez horas da manhã.
Aphril inventara uma desculpa para ir a seu quarto. Não aguentaria até o anoitecer para saber o que continha tal missiva.

“Cara Senhorita Raio de Sol”
Sim. Eu lhe chamarei assim, mesmo depois que souber seu nome. Você foi um raio de sol que clareou minha vida escura e fria. Quero ter o prazer de conhecê-la melhor. Tocar suas mãos, aspirar o perfume que você exala, tocar a maciez de seus cabelos ruivos que só de pensar neles, queimam minhas entranhas. Gostaria de convidá-la para um piquenique na praia, no próximo domingo às 14 horas. Não aceitarei recusas. Espero-lhe com uma cesta de lanches, próximo ao cais. Beijo-lhe respeitosamente as mãos,
William Bernardo MacLorenzo

Aphril voltou para a cozinha, mas parecia arder em febre, tal era seu nervosismo e apreensão.
Agatha mandou que se recolhesse a seu quarto e descansasse. Ela mandaria uma das auxiliares continuarem com as refeições.

A semana custou a passar

Aquela foi a semana mais demorada na vida de Aphril e de William. Porém o domingo chegou. Era folga de Aphril e a condessa ainda não retornara para as férias de verão.
Desde cedo ela se preparara. Fizera uma cesta com pães, bolachas e sucos. Colocara algumas frutas secas e amêndoas na cesta e partira em direção à praia. Nem lembrava que William havia dito que levaria o lanche.
William pedira à sua mãe que mandasse uma das criadas fazer-lhe uma cesta de lanches, pois iria à praia com amigos e que passaria a tarde por lá.
Não eram nem 14 horas e ambos já estavam no cais. Encontraram-se entre o extasiado e o envergonhado. No entanto o fato de que cada um levava uma cesta com lanches fez com que caíssem na risada. A situação serviu para quebrar o distanciamento que ainda tinham.
Conversaram, conversaram, conversaram... Pareciam ser amigos de longa data. Havia cumplicidade, camaradagem, intimidade entre os dois, como se já se conhecessem de uma longa data. Daí para o namoro foi um passo curto. Descobriram-se apaixonados e relembravam as vezes que se viram no mercado. Um dizia o que o outro vestia, tudo o que ele vendia, tudo que ela comprara.
Namoraram por seis meses e logo William pediu Aphril em casamento. No início a família dele fora contra o casamento de seu filho com uma simples criada, mas com o passar do tempo teve que aceitar Aphril como nora. Ela moça prendada, conquistara a sogra com tudo o que sabia fazer: bordava, costurava e cozinhava. Além disto Aphril era dona de uma simpatia rara.
Tiveram um filho e mudaram de cidade. Foram morar nas famosas Terras Altas. Era um lugar paradisíaco (e permanece assim até hoje). Compraram terras por lá e William passou a dedicar-se à pesca e o comércio dela.
Yan, o único filho do casal, estava com 12 anos quando o pai de repente desapareceu, não deu mais notícias, estava na casa dos pais que com chantagem emocional prenderam o filho ao seu comércio e propriedade. William tão envolvido e absorto com os negócios da família fora ficando e “esquecia” de dar notícias. Logo se envolvera com mulheres da vila, passara a beber e esquecera da família.
Aphril costurava para fora, fazia pães, que o menino saia a vender e não tinha mais tempo para pensar na vida. Chorava todas as noites em seu quarto e descobrira cedo o que era “o gemido noturno dos viúvos” nas noites frias e solitárias. Não tinha completado ainda 30 anos, porém aparentava mais, visto que emagrecera e enrugara feito ameixa seca.

A morte chega de repente

Assim como a vida havia lhe prego uma armadilha a morte dos pais de William fora sua libertação. Não que não sofresse com isto, mas a morte do pai com um derrame e a da mãe uma semana depois do mesmo mal, fora uma dose amarga num mesmo momento.
William decidira vender tudo o que herdara e voltar para casa. Parecia acordar agora do torpor que a vida lhe impusera. Estava emagrecido, barba comprida, desleixado. Fora ao comércio e comprara roupas novas, aparara os cabelos e a barba, mau cuidados e um mês depois resolvera voltar para casa.
Assim mesmo sem avisar. Não sabia como seria recebido. Se sua família ainda o queria e o esperava. Parara com as farras, tanto em relação à bebida, quanto em relação às mulheres. Percebia agora que se maltratava, por ter sido tão fraco cedendo à chantagem dos pais.
O tempo estava horrível. Havia tempestades. Teve que esperar que as tempestades de inverno amainassem para retornar ao lar.
Quinze dias depois o sol abre. Não mais venta. As tempestades foram embora. Pode então embarcar numa das naus que percorriam as ilhas. Uma semana depois estava em casa... ou melhor na ilha que morava.
Aphril o recebeu entre surpresa e furiosa. Vieram as explicações que em nada diminuíram a sensação de abandono dos dois últimos anos. Suas vidas não foi mais a mesma. Yan agora tinha quinze anos. Eles haviam aprendido a viver sozinhos e serem independentes.
William abrira uma casa de comércio próximo ao porto. Tinha posses, mas suas vidas não eram mais as mesmas de antes. Parecia que ambos perderam seu viço, seu amor pela vida, e, Aphril também se sentia assim: vazia. Viveram juntos por mais dez anos. Não dava mais para dizer que eram felizes, até o dia em que William com 46 anos amanhecera morto.
Aphril não chorara. Suas lágrimas haviam secado naqueles dois anos em que pensara que o marido havia morrido. Como chorar por alguém já morrera antes. O homem que voltara para o seu lar não era mais o mesmo. Tornara-se quase um estranho e depois não fizera mais questão de reconquistá-la. Havia dentro dele culpas, feridas não cicatrizadas, traições caladas. Ela não sabia de nada disto, mas percebera que o marido não era mais o mesmo. Vivera mais 20 anos. Solitária, viúva, para o filho e os netos. Morrera numa tarde de verão, depois de um vendaval que se abatera sobre a ilha.
...

862 anos depois...

Oitocentos e sessenta e dois anos depois eles acordam numa mesma cama. Não lembram mais de nada, mas um sonho os leva ao passado. Ela se descobre noutro corpo amando-o tão docemente quanto amara na antiga Escócia. Ainda sente nos ossos as dores que o frio lhe causava na época, são as mesmas dores que sente nos dias atuais. Silenciosamente olha-se no espelho e vê o seu novo corpo, não era mais uma mulher, nem tão bela, nem tão jovem, porém ao seu lado dormia o mesmo ser a quem tão amara em outros tempos. Levantou-se, preparou uma bandeja com café e foi pra cama. Lá estava seu amado de volta aos seus braços...

Para que nos situemos aonde esta história acontece informamos alguns dados recentes da Escócia.
Atualmente o território da Escócia que tem 78.772 km² (30.414 milhas quadradas), equivalendo a 30% da área de todo o Reino Unido do qual faz parte. Possui 9.911 km (6.158 milhas) de costa.
geomorfologia da Escócia foi formada pela ação de placas tectônicas e subsequente erosão da glaciação. A maior divisão da Escócia é a Highland Boundary Fault, que separa o território em "highland" (para o norte e o oeste) e "lowland" (para o sul e o leste). As Higlands da Escócia são bastante montanhosas e constituem-se no ponto mais alto do Reino Unido.
O clima na Escócia é temperado e tende a ser bem variável. É aquecido pela Corrente do Golfo do Oceano Atlântico e, por isso, é bem mais quente que em áreas de latitudes semelhantes, como Oslo, na Noruega. No entanto, as temperaturas são geralmente mais baixas que no resto do Reino Unido, com a mais baixa temperatura deste atingindo -27,2°C registrada em Braemar, nas montanhas de Grampian, em 10 de janeiro de 1982 e também em Altnaharra, nas Highlands, em 30 de dezembro de 1995. As máximas no inverno giram em torno de 6°C nas lowlands, com as máximas do verão por volta de 18°C. A temperatura máxima registrada foi de 32,9°C em Greycrook em 9 de agosto de 2003. Em geral, o oeste da Escócia é mais quente que o leste, devido à influência das correntes do Atlântico e as temperaturas superficiais mais frias do Mar do Norte.
De forma semelhante ao restante do Reino Unido, o vento vem principalmente do oeste, trazendo ar quente e úmido do Atlântico. A pluviosidade varia ao longo da Escócia. As terras altas a oeste são o local mais úmido do Reino Unido, com o índice de pluviosidade anual acima de 3.000mm (120 polegadas). Em comparação, a maior parte da Escócia recebe menos de 800mm (31 polegadas) anualmente e as áreas leste e sul do país recebem tanta chuva quando as partes mais secas da Inglaterra. Neve não é comum nas terras baixas, mas torna-se mais comum com a altitude.
No censo de abril de 2001, a população da Escócia era de 5.062.011, pouco menos de 10% do Reino Unido. A densidade populacional é de aproximadamente 64 pessoas por quilômetro quadrado.
Aproximadamente 95 das ilhas da Escócia são habitadas, sendo a mais populosa Lewis, com 16.782 pessoas em 2001. Algumas ilhas pequena têm um só habitante.
A capital da Escócia é Edimburgo. O número de habitantes das seis mais populosas cidades do país, segundo o censo de 2001, era de: Glasgow: 629.501; Edinburgo: 430.082; Aberdeen: 184.788; Dundee: 154,674; Inverness: 40.949; Stirling: 32.673.

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Mário Feijó

08.09.15 

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