VOCAÇÃO
PARA ANJO
Ela
conversava e conversava, mas ao seu lado só havia sacolas. Nas mãos tentava
equilibrar uma xícara de chá quente, que volta e meia entornava sobre as coxas.
Quando sentia o calor do líquido derramado voltava a atenção para a xícara e
bebia um gole.
Louca
por louca, ela e Marta, estavam pau a pau, visto que ambas flertavam nitidamente
com a fantasia.
É
imprescindível sempre sonhar, como é importante ter alguém com quem contar,
mesmo que este alguém seja um ser imaginário.
Quando
perdemos a referência, ou não confiamos em alguém, a nossa confiança em nós
fica abalada e acabamos por nos perder pelo caminho.
Somos
quem acreditamos ser e temos que confiar em nós visto que os outros serão
sempre egoístas. É da natureza humana não ter vocação para anjo.
Algumas
vezes eu me pergunto, como pode o ser humano ter evoluído tanto cientificamente,
mas não ter evoluído no aprimoramento dos sentimentos, sem grandes evoluções
morais. A maioria pensa em acumular riquezas enquanto a vida é tão curta e
transitória.
Somos
realmente seres sem vocação para anjo e eu sinto uma dor enorme ao constatar
isto porque acredito que seria fácil sê-los. Bastaria que nos déssemos mais,
que falássemos mais a verdade sem hipocrisia, sem a mentira social, sem o
preconceito.
Muitas
vezes nos falta o bom senso, a ponderação e nos deixamos levar por impressões
erradas, ou pelo que os “outros dizem”.
Será
que restará, para uns poucos, somente o caminho da alienação? Será que teremos
que conversar com amigos invisíveis para termos a certeza de que estaremos
sendo ouvidos? Será que ainda haverá salvação para o ser humano?
Eu
não sei responder, eu não tenho as respostas, também sou um destes que conversa
com quem ninguém vê, eu converso com quem me lê e nem sempre sei quem é você.
Mário
Feijó
08.10.13
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