quinta-feira, 8 de outubro de 2015

CAMELINHO

CAMELINHO

         Nascido em Lagarto, cidadezinha do interior de Sergipe, filho de pequeno agricultor, ele tinha mais que dez irmãos, não lembrava mais ao certo quantos eram, tinha a mente enevoada pelas doses de “branquinha”, que ao seu ver “não faziam mal a ninguém”.
Pessoas que se envolvem com o álcool e outras drogas, geralmente não têm consciência de que são doentes. Com eles, algumas vezes, adoece junto toda a família.
No entanto, nosso personagem real, quando me conheceu logo pediu que eu escrevesse sua história. Pouco me contou. Nomes e datas, naquele momento eram inexatos, mas para que o personagem não perdesse a aura de personagem, misturado a um toque de realidade eu preferi não me aprofundar nas suas angústias de ser humano.
Disse-me ele que com quatorze anos saiu de casa, indo embora de Sergipe para São Paulo. Foi fazer a vida e veio para o sul (São Paulo fazia parte do sul, na época). Deixou gente chorando por ele. Seis anos depois seu pai apareceu para buscá-lo. Ele disse que voltaria, mas nunca mais voltou.
- Vá meu pai, eu estou terminando um serviço aqui e quando estiver pronto volto.
Ao certo naquele momento não disse se tinha voltado. Depois descobri que nunca mais voltou.
Logo novo começou a namorar uma linda jovem. Não deu certo com ela, mas foi se envolvendo com sua irmã e acabaram casando algum tempo depois. Esta era muito brava, mas ele disse que tinha paciência e que já ia fazer 50 anos que estavam casados. Eles têm muitos filhos e netos e os problemas são muitos, “mas quem não os tem”? disse-me ele, numa lucidez ingênua.
São personagens assim “doloridos” que nos inspiram a escrever outros na ficção. No entanto, mesmo os mais lúcidos dos humanos, nunca sabem quando vivem uma fantasia ou uma realidade efêmera. Há várias formas de se fugir da realidade. Há muitos subterfúgios para que se possa viver uma fantasia. Há gente que se viciam em comida, em sexo, em dinheiro, na mentira ou até mesmo nas drogas e se fingem felizes.
Ser real algumas vezes é dolorido demais e penso que “aquele senhor” tem muitas dores armazenadas em seu peito e sem saber resolvê-las esconde-se na bebida e passa os dias anestesiado por ela. Fica mais fácil viver no limiar do real e da fantasia, desta forma ganha asas, e viver fica muito mais difícil.
Ele ainda sonha em viajar de volta para Sergipe com a esposa e pensa em conhecer o sul.
E lá no interior de São Paulo ouço seus netos dizendo “eu nunca vi o mar”, com olhos de sonhadores.
Ah! Camelinho é o nome da cachaça que ele traz escondido embaixo do braço, para ninguém ver, escondendo no meio do mato onde de vez em quando vai soltar o gado que está preso.

Mário Feijó

08.10.15        

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