MAIS UMA LUZ QUE SE APAGA EM NOSSAS VIDAS
À amiga Vera
Dalsasso
Vera Dalsasso é minha amiga há cinquenta anos. Desde 1972
quando entramos na universidade como adolescentes e calouros de um curso que
ainda não sabíamos qual fazer. Ela fazia parte do grupo que comigo estudava
depois das aulas e antes de cada prova, principalmente provas de matemática,
cálculo e estatística. Também era do grupo que matava aulas chatas, saindo da
sala logo depois de responder a chamada, para jogar dominó, no diretório dos estudantes
da nossa faculdade.
Depois
de algum tempo estudando juntos e convivendo passei a frequentar a casa de sua
família, convivendo com seu pai Sr. Osmar, sua mãe Kika, seu irmão Toninho e
também com Rodolfo, seu outro irmão – todos falecidos há muito tempo e
precocemente. Foram grandes parceiros de noitadas de canastra que iam até o dia
clarear, a Kika só ficava observando de longe e rindo daquela confusão, parece
que tudo isto foi ontem...
Com
Toninho (na época estudante de Engenharia na UFSC) enfrentei várias peripécias
com o objetivo de jogar cartas, até o dia em que fomos jogar com a Iracy e o
Francisco, irmã e cunhado deles, acampados na Praia dos Ingleses, na Ilha de
Florianópolis. Nós dois numa motocicleta dirigida por Toninho quase fomos
atropelados por uma pata voadora. Sim! Literalmente, ”dois patos atropelados
por uma pata” seria a manchete do Diário Catarinense, na segunda feira, caso não
tivéssemos nos abaixado na moto evitando o tal atropelamento. A pata deve ter
feito de propósito e, por pouco não me caga na cabeça. Foram muitos os
episódios de “briga” na mesa de jogo, mas depois não ficava mágoas. Era uma
casa de italianos com um estranho no ninho.
Eu
e Vera fizemos pós-graduação em administração de cooperativas na UNISINOS,
depois de formados em administração na UFSC e, viajávamos a cada quinze dias
para São Leopoldo, no Rio Grande do Sul enquanto trabalhávamos na OCESC –
Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina. Lá, também, achavam
“estranha” a nossa amizade e, minha mulher na época morria de ciúmes da Vera.
Ela era especial! Nunca brigamos por nada, e nos respeitávamos muito um ao
outro.
Um
dia fiquei estressado com ela, sem brigar, quando ela começou a trabalhar na
FUCAT – Fundação Catarinense do Trabalho por um mal entendido que não vale à
pena citar agora. Eu casado e desempregado com três filhos com o quarto filho
pra nascer. Depois a vida continuou. Arrumei emprego na UFSC e a Vera casou e
teve duas filhas.
Na
época do casamento com o Carlos, um argentino tão bonito que parecia artista de
cinema, acabamos nos distanciando fisicamente, eu não queria que ele tivesse
ciúmes de nosso amor fraterno. Aí perdi um pouco a intimidade com a família,
mas eu e Vera continuamos muito amigos e, também, tornei-me amigo de suas irmãs
Marlene, Arlete e Iracy pelas quais nutro um carinho especial. Até com Maline e
Karine filhas de Iracy e Francisco entraram na dança e se tornaram amigas. Eu
as conhecia desde bebês.
Vera
e eu nos tornamos amigos tão verdadeiros ao ponto de muita gente pensar que
tínhamos um “caso”. Ela é madrinha de meu filho Tiago. Eu padrinho de sua filha
Elisa. Amei aquelas meninas como se fossem minhas filhas, mas permaneci
distante. Coisas da vida.
De
repente, eu soube que a Vera tinha se separado. Eu também já estava com dois
divórcios nas costas. Continuamos tão amigos quanto antes e nos víamos com
menos frequência, não dava mais pra resgatar o cotidiano daqueles dias de
carteado, o tempo nos afastara. Tínhamos perdido aquela intimidade do dia a
dia, mas bastava um olhar para saber que o amigo e a amiga moravam em nossos
corpos.
Ambos
somos criaturas espiritualizadas, criados no catolicismo, mas foi nesta fé que
eu vi a Vera se dedicando a ajudar muita gente. Ela sempre foi uma pessoa
“estranhamente” bondosa.
É
tão difícil acreditar que a vida nos prega peças e, mostra a grandeza de Deus,
até nas contradições. Elisa apaixonou-se por Medicina Oncológica e não pode
curar sua mãe, só aliviar e ajudar no possível e impossível a suportá-la. Mesmo
assim eu vejo a grandeza de Deus e o quão pequenos somos diante da morte
inevitável. Ninguém pode desviar do caminho traçado para nós, mesmo antes de
nascermos é o que acredito.
E,
de longe eu vi a dedicação das duas filhas e a atenção para ajudá-la a suportar
as dificuldades que lhe foram impostas. Vi a Gabriela levando a Vera pra fazer
quimioterapia, fonoaudióloga e saindo com ela as pressas muitas vezes para o
hospital e outras urgências e emergências. Gabriela largou o marido na Europa
para cuidar da mãe e a Elisa vinha toda hora de São Paulo para acompanhar de
perto o tratamento e ficava de longa e falando com os médicos.
Só
compreendemos o sofrimento quando passamos por ele e só o aceitamos quando
novamente formos espíritos. Não fomos ensinados a conviver com a morte.
Eu
de longe sofria por minha amiga, mas sabia que era inútil querer estar junto
dela. Fui visitá-la no ano passado e obtinha notícias dela através da Marlene e
da Arlete, até que ontem (sexta feira) senti alguma coisa e liguei pra Arlete
que me disse “Mário, a Vera vive suas últimas horas” e hoje (domingo) pela
manhã a Marlene me ligou dizendo “a Vera faleceu”. Depois a Arlete fez o mesmo
mandando uma mensagem pelo WhatsApp.
Agora
que o irremediável aconteceu resta-me orar para que sua alma siga em paz e que
suas filhas e demais parentes recebam as bênçãos e a luz de Deus, e de todos os
bons espíritos que estão recebendo a Vera e a encaminhando para a última
morada, onde um dia todos nós também estaremos.
Não
convém chorar ou lamentar! Todos entramos nesta vida sabendo que um dia este
seria nosso fim. Esta é a regra do “jogo”. Também não queria que vissem a morte
como uma derrota, mas como o início de uma nova caminhada no campo espiritual.
Depois
de tantas despedidas que já vivemos esta é mais uma luz que se apaga em nossas
vidas. Mas, não vivamos na escuridão. Isto não é bom e a Vera vai entender
isto. Que ela saiba que sempre vai morar em meu coração.
Luz
e bênçãos a todos nós!
Mário
Feijó
07.08.22