segunda-feira, 8 de agosto de 2022

MAIS UMA LUZ QUE SE APAGA EM NOSSAS VIDAS

 

MAIS UMA LUZ QUE SE APAGA EM NOSSAS VIDAS

À amiga Vera Dalsasso

 

        Vera Dalsasso é minha amiga há cinquenta anos. Desde 1972 quando entramos na universidade como adolescentes e calouros de um curso que ainda não sabíamos qual fazer. Ela fazia parte do grupo que comigo estudava depois das aulas e antes de cada prova, principalmente provas de matemática, cálculo e estatística. Também era do grupo que matava aulas chatas, saindo da sala logo depois de responder a chamada, para jogar dominó, no diretório dos estudantes da nossa faculdade.

Depois de algum tempo estudando juntos e convivendo passei a frequentar a casa de sua família, convivendo com seu pai Sr. Osmar, sua mãe Kika, seu irmão Toninho e também com Rodolfo, seu outro irmão – todos falecidos há muito tempo e precocemente. Foram grandes parceiros de noitadas de canastra que iam até o dia clarear, a Kika só ficava observando de longe e rindo daquela confusão, parece que tudo isto foi ontem...

Com Toninho (na época estudante de Engenharia na UFSC) enfrentei várias peripécias com o objetivo de jogar cartas, até o dia em que fomos jogar com a Iracy e o Francisco, irmã e cunhado deles, acampados na Praia dos Ingleses, na Ilha de Florianópolis. Nós dois numa motocicleta dirigida por Toninho quase fomos atropelados por uma pata voadora. Sim! Literalmente, ”dois patos atropelados por uma pata” seria a manchete do Diário Catarinense, na segunda feira, caso não tivéssemos nos abaixado na moto evitando o tal atropelamento. A pata deve ter feito de propósito e, por pouco não me caga na cabeça. Foram muitos os episódios de “briga” na mesa de jogo, mas depois não ficava mágoas. Era uma casa de italianos com um estranho no ninho.

Eu e Vera fizemos pós-graduação em administração de cooperativas na UNISINOS, depois de formados em administração na UFSC e, viajávamos a cada quinze dias para São Leopoldo, no Rio Grande do Sul enquanto trabalhávamos na OCESC – Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina. Lá, também, achavam “estranha” a nossa amizade e, minha mulher na época morria de ciúmes da Vera. Ela era especial! Nunca brigamos por nada, e nos respeitávamos muito um ao outro.

Um dia fiquei estressado com ela, sem brigar, quando ela começou a trabalhar na FUCAT – Fundação Catarinense do Trabalho por um mal entendido que não vale à pena citar agora. Eu casado e desempregado com três filhos com o quarto filho pra nascer. Depois a vida continuou. Arrumei emprego na UFSC e a Vera casou e teve duas filhas.

Na época do casamento com o Carlos, um argentino tão bonito que parecia artista de cinema, acabamos nos distanciando fisicamente, eu não queria que ele tivesse ciúmes de nosso amor fraterno. Aí perdi um pouco a intimidade com a família, mas eu e Vera continuamos muito amigos e, também, tornei-me amigo de suas irmãs Marlene, Arlete e Iracy pelas quais nutro um carinho especial. Até com Maline e Karine filhas de Iracy e Francisco entraram na dança e se tornaram amigas. Eu as conhecia desde bebês.

Vera e eu nos tornamos amigos tão verdadeiros ao ponto de muita gente pensar que tínhamos um “caso”. Ela é madrinha de meu filho Tiago. Eu padrinho de sua filha Elisa. Amei aquelas meninas como se fossem minhas filhas, mas permaneci distante. Coisas da vida.

De repente, eu soube que a Vera tinha se separado. Eu também já estava com dois divórcios nas costas. Continuamos tão amigos quanto antes e nos víamos com menos frequência, não dava mais pra resgatar o cotidiano daqueles dias de carteado, o tempo nos afastara. Tínhamos perdido aquela intimidade do dia a dia, mas bastava um olhar para saber que o amigo e a amiga moravam em nossos corpos.

Ambos somos criaturas espiritualizadas, criados no catolicismo, mas foi nesta fé que eu vi a Vera se dedicando a ajudar muita gente. Ela sempre foi uma pessoa “estranhamente” bondosa.

É tão difícil acreditar que a vida nos prega peças e, mostra a grandeza de Deus, até nas contradições. Elisa apaixonou-se por Medicina Oncológica e não pode curar sua mãe, só aliviar e ajudar no possível e impossível a suportá-la. Mesmo assim eu vejo a grandeza de Deus e o quão pequenos somos diante da morte inevitável. Ninguém pode desviar do caminho traçado para nós, mesmo antes de nascermos é o que acredito.

E, de longe eu vi a dedicação das duas filhas e a atenção para ajudá-la a suportar as dificuldades que lhe foram impostas. Vi a Gabriela levando a Vera pra fazer quimioterapia, fonoaudióloga e saindo com ela as pressas muitas vezes para o hospital e outras urgências e emergências. Gabriela largou o marido na Europa para cuidar da mãe e a Elisa vinha toda hora de São Paulo para acompanhar de perto o tratamento e ficava de longa e falando com os médicos.

Só compreendemos o sofrimento quando passamos por ele e só o aceitamos quando novamente formos espíritos. Não fomos ensinados a conviver com a morte.

Eu de longe sofria por minha amiga, mas sabia que era inútil querer estar junto dela. Fui visitá-la no ano passado e obtinha notícias dela através da Marlene e da Arlete, até que ontem (sexta feira) senti alguma coisa e liguei pra Arlete que me disse “Mário, a Vera vive suas últimas horas” e hoje (domingo) pela manhã a Marlene me ligou dizendo “a Vera faleceu”. Depois a Arlete fez o mesmo mandando uma mensagem pelo WhatsApp.

Agora que o irremediável aconteceu resta-me orar para que sua alma siga em paz e que suas filhas e demais parentes recebam as bênçãos e a luz de Deus, e de todos os bons espíritos que estão recebendo a Vera e a encaminhando para a última morada, onde um dia todos nós também estaremos.

Não convém chorar ou lamentar! Todos entramos nesta vida sabendo que um dia este seria nosso fim. Esta é a regra do “jogo”. Também não queria que vissem a morte como uma derrota, mas como o início de uma nova caminhada no campo espiritual.

Depois de tantas despedidas que já vivemos esta é mais uma luz que se apaga em nossas vidas. Mas, não vivamos na escuridão. Isto não é bom e a Vera vai entender isto. Que ela saiba que sempre vai morar em meu coração.

Luz e bênçãos a todos nós!

 

Mário Feijó

07.08.22

           

 

 


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