segunda-feira, 27 de junho de 2016

O COMEDOR DE VENTOS

O COMEDOR DE VENTOS

Há muito tempo venho passando pelas ruas de Osório. Osório é uma pequena e encantadora cidade no litoral norte do Rio Grande do Sul.
Há uns quarenta anos, quando por aqui passava eu percebia que os ventos na cidade eram assustadores, irritantes e “quase” amaldiçoados por alguns. Já ouvi dizer que quem gosta de vento é louco.
Hoje os ventos de Osório são benditos e a causa de sua crescente prosperidade. Osório passou a ser “a Terra dos Bons Ventos”. Basta olhar para o horizonte e ver uma quantidade infinda de torres eólicas. Na cidade parece que os ventos sumiram...
Voltei a ser criança...
Aquelas torres monstruosas me assustam. Dizem que elas transformam vento em energia... Não sei não...
Tivemos uma “presidenta” que queria engarrafar o vento. Como será que se faz isto? Será que não há perigo de o vento não se aquietar e levar a garrafa junto?
Não entendo isto, sou criança... tenho medo daqueles cata-ventos monstruosos. Para mim eles são comedores de vento. Pelo que eu vejo eles comeram os ventos da cidade, mas os ventos que ainda sobram não são mais mal vistos.
Em outros tempos eu fazia cataventos de papel e os soprava pelo mundo. Era outro tempo, uma outra infância. Um tempo onde o meu país era o “país das maravilhas”. Tínhamos sonhos e esperança. Eu vivia encantado. Hoje tento, mas não consigo mais me desencantar. Tudo está desencantado. Deixa pra lá... voltemos à Osório.
Passeio pelas ruas tranquilas. Encontro gente educada, mesmo num país em desenvolvimento, Osório cheira a primeiro mundo. Há esperança em Osório. A cultura é primordial, apesar de alguns políticos não lhe darem o devido respeito, mas o povo de Osório é um abnegado e continua fazendo saraus e cafés poéticos (tipo os promovidos pelo Espaço Cultural Conceição). Existe na cidade uma Academia de Letras que perambula de um lado para o outro sem uma sala para se reunir porque não tem sede, mas a Biblioteca frequentemente lhe abre as portas (por falar em Biblioteca Pública: que espaço maravilhoso e as meninas que lá trabalham são incansáveis em promover eventos). Vale à pena visitá-la. Há um encanto especial nela.
A feira do livro sobrevive. A faculdade cresce a olhos vistos porque não é pública. O Teatro prospera, com alguns abnegados à sua frente.
Enquanto isto os ventos sopram escorrendo da Serra do Mar que termina ali na cidade, descendo pelo morro da Borrússia – lugar aprazível e que deve ser visitado. Lá em cima Jesus, se tivesse ficado por 40 dias e 40 noites teria sido mais feliz meditando. Com certeza o Diabo não o tentaria.
É, eu não sou mais criança. Não tenho medo dos ventos. Nem quando gemem na minha janela. Apenas escuto seus recados, apenas lembro de suas viagens pelo mundo e vindo se espalhar pelas lagoas da região contando histórias, criando lendas, sendo devorados pelos Cataventos da minha infância, crescidos agora nas terras de Osório.

Mário Feijó

27.06.16 

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