sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

BRASAS NOS OLHOS



BRASAS NOS OLHOS


As cinzas dos olhos dela, em brasa se acenderam.
Mia Couto


               Havia uma paixão adormecida nos olhos daquela mulher. Sofrida andava desacreditada no amor carnal. Nada mais sentia nas poucas carnes que cobriam o seu corpo magro e sofrido. Seu último companheiro havia sido cruel. Quando ela um dia falou sobre prazer, sobre orgasmo ele lhe dera uma surra e enquanto ela ainda estava desfalecida pegara um ferro em brasas e lhe queimara o clitóris.
Uma semana depois quando saia do coma percebera que a alma havia lhe abandonado. Perdera o viço, o prazer pela vida e o prazer da carne, este com certeza ela jamais iria sentir.
Ele fora preso, mas já estava em liberdade e no primeiro encontro lhe perguntara:
- Descobriu o que é orgasmo, vadia?
Separaram-se porque ela cansara do sofrimento. Aquele episódio era só um dos terríveis momentos pelos quais passava.
Tentava refazer sua vida, mas com dedicação única e exclusiva aos filhos. Não tinha mais viço, mas os filhos eram o seu lume.
Passaram-se mais de vinte anos. Ela não mais amara. Não sentia mais nada pelos homens, nem os olhava na cara. Em alguns momentos sentia desprezo, asco por todos os homens.
Os filhos cresceram, casaram-se, foram viver suas vidas.
Josefa passara a frequentar um grupo de idosos. Tinha cinquenta anos, mas parecia ter mais de setenta. O grupo fazia viagens, dançavam, cantavam, passeavam. Ela aprendera a viver novamente. Começara a gostar de si e até a se amar. Estava permitindo o abraço de companheiras, visto que no grupo de quase quarenta pessoas só havia dois homens, maridos de companheiras do grupo.
A convivência com os amigos passou a ter um pouco mais de intimidade, cumplicidade e Josefa passou a dividir seu quarto sempre com Maria. Ela se sentia protegida quando a outra estava por perto. Quando dormiam no mesmo quarto, embora em camas separadas. Porém numa das últimas viagens que fizeram, no quarto, ao invés de duas camas de solteiro havia uma cama de casal.
À primeira vista aquilo deixou Josefa assustada, quase em pânico. Não pelo fato de dormir com a amiga, mas pelas lembranças que a situação sugeria e que não conseguia dominar.
Resolveu abrir o jogo e contar tudo pra amiga que lhe abraçou e passou a lhe dar carinho. Tudo aquilo não lhe pareceu estranho e foi acalmando. Ela começou a se sentir confortável naqueles braços e a satisfação que sentia foi reconfortante. Começou a sentir um calor agradável no corpo e “as cinzas dos olhos dela em brasa se transformaram”. Acabara de descobrir com a amiga o significado de um orgasmo que pensava jamais iria sentir.
No outro dia percebeu que não tinha vergonha do que aconteceu. Descobrira com a amiga o prazer que nenhum homem soubera lhe dar. Agora sabia que podia amar novamente. Sabia que era ainda jovem para o amor e que poderia vive-lo com quem escolhesse, com quem soubesse lhe respeitar, não importando quem fosse.

Mário Feijó
22.02.13

CAMINHOS



CAMINHOS

Em vez de esperarmos a estrada.
Fazemos nosso próprio caminho.
Mia Couto

Sou carta marcada
No jogo da vida
Não sou um coringa
Espero às vezes por um

Eu faço meu próprio jogo
E decido a hora de parar
Se blefei corro todos os riscos
Assumo a hora de pagar pra ver

Tendo as cartas na mão
Eu mesmo embaralho
Distribuo cada uma delas
E decido o jogo que prefiro

Tenho minhas damas
Uso meus valetes
Os reis me sustentam
Ases é o que espero como coroação...

Mário Feijó
22.02.13

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

CASTELOS



CASTELOS

Estavas tentando me seduzir
Ou era eu quem estava
Já nem sei mais...

Tu me dizias ter um castelo
Que pensavas ser o maior
E alardeavas ter dezenove quartos
Entre outros aposentos encantadores...

Não foi isto o que me seduziu
Nem tua linhagem principesca
E eu quase me perdi
Foi nas curvas e reentrâncias...

Quase viajei na tua morenice
Quase me perdi na tua boca voraz
Sem poder fugir dos teus abraços
Não resisti e conheci o paraíso...

Mário Feijó
18.02.13

VIVENDO DE AMORES



VIVENDO DE AMORES

Eu ando assim
Apaixonado pelo vento
Só porque ele
Ontem me acariciou...

Outro dia
Eu me apaixonei pela chuva
Só porque ela
Havia tocado meus lábios...

Pensei num amor eterno
Quando um gole d’água
Rasgou-me as entranhas
Numa tarde de sede...

E quando o mar
Tocou minha pele suada
Indo até minhas partes mais intimas
Eu arrepiado suspirei: estava enamorado...

Mário Feijó
21.02.13

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

ALÉM DO TEU SILÊNCIO



ALÉM DO TEU SILÊNCIO
(as marcas de um encontro)

Faça-me sonhar
Diga quando te encontro
Que eu sobre uma tela branca
Traçarei com carvão teu corpo

Riscarei o silêncio
Que teus dentes mordem
Feito hienas famintas
Roendo ossos de uma carcaça

Eu sonharei com o impossível
Visto que o possível está impregnado
De lembranças recentes

Eu quero mais da tua carne
Além deste silêncio
Corroendo a minh’alma...

Diga, por favor, quando te encontro
Há uma nave de sonhos
Que parte esta semana
Carregada de gostos e cheiros

Quem sabe neste sábado ao meio dia
Possamos alimentar nossas peles
Desta fome que ora eu sinto
Quem sabe, diga? Quiçá possamos...

Mário Feijó
20.02.13