Era
apenas meio sorriso, pensou ela, mas como alguém poderia sorrir pela metade?
Será que haveria meia pessoa? Será que pessoas pequenas eram metade?
Alice
não conseguia entender a frase que ouvira:
-
Era meio sorriso, o que ele me ofereceu.
É
certo que ela, também, era apenas uma menina de cinco anos. Estava perdida
procurando a mãe. Mas não tinha medo. Sentia-se gente e não uma criancinha como
seu irmão de um ano.
No
seu aniversário já mostrava a mão inteira para dizer quantos anos tinha, então
não ia ficar chorando só porque sua mãe se perdeu. As mães são assim mesmo,
pensou ela, às vezes se perdem de nós.
Aproveitou
para olhar as vitrines das lojas, quem sabe até já poderia ter alternativas
para os presentes pediria o Papai Noel.
Enquanto
caminhava espiava as pessoas. Observava as reações das pessoas e não conversava
com ninguém. Tinha medo. A mãe já a prevenira:
- Nunca converse com estranhos. E, agora
Alice ouvira duas amigas conversando sobre uma terceira pessoa... “Ele tinha no
rosto, meio sorriso apenas”... ficou pensando sobre a expressão. Vou perguntar
pra mamãe quando a encontrar.
A
mãe Gilda estava numa loja de crianças, com o filho de um ano, Marcos,
comprando tênis para o menino. Seria o primeiro que iria usar. Entrou na loja
com o menino em um dos braços e duas sacolas na outra mão. Pensava que Alice a
seguiria e entretida nas compras não havia ainda se dado conta que tinha um
“pacote” a menos.
É
sempre assim quando saímos com várias sacolas. Se uma ficar no caminho nem
notamos.
Alice estava encantada. Não era a primeira
vez que ia ao shopping, mas estar sozinha não lhe dava medo, mas uma sensação
de aventura. Se estivesse perdida na selva poderia temer os animais selvagens,
mas no shopping não tinha o que temer era
só não conversar com estranhos.
De
repente Alice viu uma grande livraria, ela não sabia ler, mas encantava-se com
o mundo mágico dos livros. De dentro dele saiam tantas histórias bonitas.
Ficava imaginando, sonhando, quando via as figuras que alguns traziam, ou
quando sua mãe lhe contava as histórias que haviam dentro deles. Por isto sabia
de florestas, e de bichos. Também já assistira filmes sobre florestas que
achava lindas, mas que lhe davam medo. Entrou na livraria... lá no cantinho
tinha um sofá e muitos livros. Resolveu ir pra lá e aguardar sua mãe. Ela
certamente saberia encontra-la, já ouvira dizer que gente grande sabe tudo.
Então ela a encontraria.
Eram
quase seis horas. Gilda vai ao caixa pagar o tênis do menino e se dá conta que
falta um “pacote”. Era sua filha Alice. A primeira sensação foi de desespero,
mas em seguida respirou fundo, ligou para o marido e pediu que viesse lhe
ajudar. Com pacotes na mão, Marcos e a ansiedade tudo seria pior. Alexandre
trabalhava perto e em cinco minutos chegou. Já ia começar uma discussão quando
Gilda disse calmamente fique aqui com Marcos e me espere. Não saia daqui
enquanto eu não voltar.
Gilda
saiu calmamente a procurar a filha, com a ajuda de um segurança. Imaginou que a
menina não sairia daquele andar. Olhou lojas de brinquedos e viu a livraria,
entrou. Já haviam se passado quase uma hora do desencontro. De repente ela olha
num cantinho e vê a menina dormindo num sofá rodeada de livros do Sítio do
Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Pegou-a no colo e foi ao encontro do
marido, sem nada dizer, sem reclamar, em silêncio.
Há
sempre uma lição em cada situação e o desespero é o pior conselheiro, pensou.
Graças a Deus nada de mais sério aconteceu.
No
outro dia tentou conversar com Alice sobre o assunto, mas quando ela começou a
dizer que tinha viajado para o Sitio do Pica-pau Amarelo, calou-se e deu um
beijo nas bochechas da menina...
Mário
Feijó
16.07.14