terça-feira, 23 de julho de 2024

O CHEIRO DOS GIRASSÓIS

 


O CHEIRO DOS GIRASSÓIS

 

Era uma estrada escura. Sem luzes ficava muito mais assustadora. Eu me sentia perdido. Não sabia usar as modernas tecnologias disponíveis que os jovens tão bem entendem. Nós que já não temos mais nada desta juventude temos medo de todos os botões, como se fossemos acionar uma bomba atômica. Foi nesta hora numa estrada escura do interior do Paraná que eu sozinho dirigindo experimentei o primeiro sintoma de pânico. Não sabia para onde seguir...

Parei o carro e o desliguei. Não havia luzes, não havia lua no céu, não havia casas, e, não haviam carros na estrada e o céu completamente encoberto por uma espessa neblina não me deixava ver as estrelas. Talvez elas pudessem me orientar, embora eu também não entendesse nada de cosmologia ou orientação espacial.

Ao desligar o carro todas as luzes que eu imaginava existir desapareceram. Eu não conseguia ver meu próprio corpo. Estiquei a mão e não a via. Nesta hora eu me senti um fantasma. Só existia em mim pensamentos. O pânico se instalou. Eu gritava e chorava e para ter a sensação de que estava vivo comecei a respirar fundo e com o celular tentei ligar pra pessoa, cujo endereço eu estava indo, no interior de São Paulo, ou seja, Oeste Paulista.

O local onde eu estava parado era uma rodovia que passava fora de qualquer cidade, e eu tinha certeza que já tinha passado por ali, pelo menos umas três vezes, por isto parei.

Conversando com a pessoa que foi tentando me acalmar e dar indicações de onde eu estava e, qual o caminho eu deveria seguir.

Liguei o carro novamente e fui em frente. O trajeto que eu estava fazendo era de Florianópolis para Presidente Prudente, e de lá para o pequeno lugarejo chamado Emilianópolis, uma pequena cidade com 2.300 habitantes. Eu deveria fazer o trajeto em doze horas, fiz em dezenove horas. É que eu ficava circulando pelo mesmo lugar. Tinha visto uns tonéis de inox, da Cocamar que armazenam óleo, talvez de girassóis ou soja. Eu deveria chegar meia noite, cheguei sete e trinta da manhã.

Aquela escuridão me fez reviver minha vida por inteiro, com lembranças de uma pequena casa, pai, mãe e seis filhos. Não era uma boa lembrança. Não havia lirismo naquela infância. Lá eu não aprendi a amar. Tinha medo de tudo. Eu me sentia fraco e covarde para lutar contra tudo e contra todos. E o medo daqueles tempos onde o carrasco não era mais meu pai, nem os colegas de escola, nem as pessoas na rua. O carrasco agora era eu e eu tinha que vencer este carrasco que novamente me assombrava. O medo tinha crescido e agora se transformava em pânico.

Enquanto isto eu pensava:

- Onde estão as luzes da cidade? Onde elas se esconderam? Onde estão as cidades do meu caminho?

Sumiram todas! Sumiram as pessoas, sumiram os bichos, até eu sumi na escuridão.

Estou envelhecendo e vagarosamente sumiram: primeiro meus pais (já falecidos). Sumiram meus irmãos que foram viver suas vidas com suas famílias. Sumiram os filhos que foram casando, tendo filhos, separando e vivendo seus próprios problemas. Sumiram os amigos, que assim como eu, também foram se perdendo uns dos outros, outros se descobrindo pelas redes sociais, porém cada um vivendo suas vidas e não tendo tempo para nos dar um pouco de seus tempos, nem para se fazerem presentes na nossa história. Não há tempo para sentar e ficar lamentando. Todos temos que seguir em frente. O mundo atual é muito ágil e ninguém mais fica preso, nem ao seu passado, nem ao passado do outro. Donde se conclui que não há espaço para deixar o pânico nos atormentar. Temos que seguir em frente, colocar uma máscara sorridente e viver a vida que temos.

Finalmente as luzes da cidade aparecem. Hoje a lua está cheia e mesmo à noite, em meio aos girassóis, que ainda estão naquela estrada eu sei para onde ir, e, os cheiros das flores, agora, são o antídoto para a solidão e o pânico que me atormentava.

Agora descobri a estrada, sei para onde ir, e sei o que me espera no final deste caminho, onde moram os girassóis.

 

Mário Feijó

23.07.24   

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