quarta-feira, 3 de julho de 2024

MEDOS

 


MEDOS

 

Eu tive tantos medos que sorria para não chorar. E quando eu sorria era um riso amarelo, falso, medroso.

Eu tinha medo de mim, de ser quem eu era e me escondia em máscaras.

Eu tinha medo do escuro. Tinha medo dos mortos, medo dos vivos e só tinha confiança perto de crianças e idosos e, ganhava sorrisos deles. Até hoje sou assim, crianças desconhecidas me encaram e sorriem.

Nunca tive medo dos bichos, com raras exceções. Tinha medo de cobras e nojo de sapos. Talvez até porque sabia que nenhum deles se transformaria num príncipe. Se restasse alguma dúvida talvez eu até gostasse porque era sonhador.

E tinha muitos outros medos. Por exemplo tinha medo de ficar só. Se continuasse assim não poderia ficar velho nunca, porque este é o destino de todos os velhos. Porém nesta semana eu descobri que me tornei velho (porque idoso eu já sabia que era). E, envelhecer é estar só, mesmo quando amamos alguém ou temos alguém por perto.

A velhice é um eterno aprendizado de solidão (como se durasse muito, pois quando realmente envelhecemos já temos pouco pela frente) e quem não aprende com a solidão se deprime e abre as portas para as doenças. Hoje mesmo ouvi uma psicóloga dizendo que depressão é excesso de passado, e os velhos têm muito passado e pouco futuro.

Neste momento eu tenho medo de mim. Sei que não viverei mais muito, não mais do que já vivi porque se isto acontecesse eu seria o homem contemporâneo mais velho do mundo.

Tenho medo da senilidade, da imobilidade, da dependência, das dores que me atormentam, da falta de recursos para me cuidar e tantos outros que estão brotando devagar.

Vejam bem, nenhum dos meus medos é uma critica política ou social, uma acusação para alguém, seja este alguém parente ou amigo.

Meus medos antigamente ficavam enjaulados e me obedeciam. Agora quebraram todas as jaulas de onde estavam aprisionados e passaram a me atormentar. Um deles anda me ameaçando com “pânico”. Certamente não darei espaço para que se crie.

Quando eu era criança tinha verdadeiro pavor de ficar sozinho dentro de casa. Ouvia barulhos em todo canto, achava que eram fantasmas. Agora, se eles realmente eram fantasmas já devem ter percebido que não me assustam porque seus barulhos não mais me assustam. Meus medos agora são outros, nem tão ingênuos e infantis. Aprendi que fantasmas não mais me assustam porque os seres humanos se tornaram mais perigosos que meus fantasmas de criança.

 

Mário Feijó (03.07.24)