ANTESSALA
DO INFERNO
Passar
uma data festiva, fora de casa, pode ter surpresas e gerar situações
desagradáveis, se a pessoa não relaxar e tiver paciência.
É indispensável
que você tenha uma reserva de hotel. Jamais acreditar na fé de amigos que te
dizem “não esquenta, há sempre lugar”.
Segundo
não confie quando te dizem “ali na esquina passa táxi toda hora”. Passam! Mas em
datas festiva passam todos lotados. Prefira ligar para o rádio táxi. É mais
seguro, principalmente se você não está em seu país.
E quanto
à premissa “há sempre um lugar”, lembre-se que você pode passar horas na
recepção do inferno, ou seja ficar num living sem ar condicionado, em pleno
verão e sem deslocamento de ar quando os termômetros marcam quase 40 graus.
Se
você tiver sorte conseguirá um “quartinho” 3X4 que durante o resto do ano serve
como depósito, onde você passa de lado para ir ao banheiro e também quando
entra no quarto que é para a mesa não cair (mesa com dois pés, apoiada na
parede por dois parafusos num buraco onde a bucha está solta... é bucha!!)
Dentro
do quarto você “tenta” relaxar contando no teto os casulos de traça: um, dois, três,
quatro, cinco, seis... no sétimo eu parei. Chega uma hora em que bate o
desespero e você corre a cidade inteira a pé, pois na virada de ano você não
consegue um táxi (já contei isto antes), na tentativa de conseguir um quarto em
um hotel decente, onde a estrela não seja só a sua.
Pronto
achei! O recepcionista disse que tem vaga, mas só a partir do dia 6, você vai
embora dia 5. A semana das suas férias deveria ser a seguinte, mas você queria
festa, então aguenta!!!
Há
outras roubadas, como por exemplo, esta:
-
Vamos até o final desta linha para ver aonde dá? Então você vê que o ônibus
está se afastando da cidade, tudo está meio deserto, aparecem casebres. Você diz:
vamos continuar. No máximo voltamos no mesmo ônibus. Lá no meio do mato o
motorista diz ”destino” e te obriga a desembarcar. E depois de quase duas horas
“passeando” para conhecer os arredores você desembarca no meio do mato,
esperando mais meia hora um ônibus que te leve para o centro da cidade porque
ali, no meio daquele bosque de eucaliptos pode, de repente saltar à sua frente
uma onça ou um bando de índios revoltados por você ter invadido suas terras e
ainda achar que tem algum direito.
Exageros
à parte, tudo é divino, tudo é maravilhoso, nesta América Latina, mas é bom
exercitar a paciência quando sair de casa.
-
huuuuuuuuum... huuuuuuuuummm... huuuuuuummm...
-
Vamos à uma praia? Digo a um amigo.
-
Ok! Mas uma que tenha sombra.
-
Procura na internet.
-
Certo. Esta aqui é há 45 quilômetros. Não é longe.
- Você
conhece a praia? Não! Mas é uma das melhores do país. E 45 quilômetros é
rapidinho...
Foram
duas horas de viagem. Então você decide não passar mais a tarde, pois quando
viu a tarde já tinha passado, dentro de um ônibus antigo, fedido e lotado.
Então
você combina colocar os pés na água e voltar. Sim voltar, pois já são quase
dezoito horas e você terá mais duas horas de viagem em um ônibus que sairá às
dezenove horas, e você tem medo de perdê-lo e não ter como voltar. E passar o
31 de dezembro fugindo de índios não vai dar...
Antes
de ir colocar os pés na água, tendo em vista que ficamos com medo de parar no
meio do balneário e depois não saber embarcar novamente para voltar, fomos até
o final da linha... Eu disse Final da
Linha, dirigimo-nos a um restaurante, bar, sei lá e pedimos uma garrafa de
água. Meu amigo pediu copos descartáveis, mas o que aqui no Brasil é uma
obrigação do vendedor doar canudos ou copos descartáveis, lá tudo é vendido e
você paga por dois copos descartáveis. A solução é pagar ou “tomar na boca da
garrafa”.
O lugar
é realmente lindo. Mas a organização geral das coisas, das pessoas e a
infraestrutura do país é precária. Isto que nós reclamamos do que temos.
Antes
de tudo isto e mais alguns detalhes que eu prefiro excluir para não me tornar
hilário por demais, entramos num supermercado para comprar uma toalha de praia ou
qualquer coisa que servisse de proteção para sentar à beira mar que não fosse
muito sofisticada. Tendo em vista que no câmbio eu não tinha trocado muito
dinheiro, pois o pouco aqui resulta num grande número, o que te assusta. Acho
assustador andar com 5.000 qualquer coisa no bolso. Parece uma fortuna. Voltando
à história da toalha: no caixa com a toalha e uma caixa de bombons (tinha uma
fila enorme no caixa) você entrega seu cartão com chip liberado para usar no
exterior, a caixa diz:
-
identidade senhor!
-
Meu cartão tem chip, disse eu todo frajola.
-
Aqui não conhecemos senhor. Disse a gerente que tinha sido chamada para
intervir, sem nenhuma preocupação em ser descortês.
Eu
retruquei:
-
Mas eu estou indo à praia e fiquei com medo de perder meu cartão e deixei no
hotel. Veja bem: eu o liberei exatamente para este fim e agora não posso usá-lo?
- Não
podemos aceitar! É para sua segurança senhor. Disse a Gerente.
-
Não lhe entendo senhor... o próximo! Disse a caixa.
E o
assunto foi encerrado. Eu só estava sendo cuidadoso, já que há uns três meses
eu tinha visitado este mesmo país e quando chego em casa, no mês seguinte
estavam gastando no meu cartão, em aeroportos da Suiça, Alemanha e Espanha
quase dez mil reais, eu não conseguia comprar ali uma toalha de praia por 129
pesos, o que no Brasil não passa de dez reais. Realmente ela estava preocupada
com a minha segurança. Eu não entendo como fraudadores conseguem gastar o
dinheiro da gente e nós não.
Comentei
minhas agruras com um amigo e disse que se um dia fosse para o inferno já sabia
como funcionava a antessala.
Meu
humor não fora destruído. Eu preciso de muito e o demônio já me aprontou muitas
para me derrubar com isto. O amigo que estava comigo quase se atracou com os nativos,
mas eu disse: calma, relaxe!
Durante
todo o dia 31 de dezembro quando você passa pelas ruas
você
vê as calçadas molhadas e com papel picado e agendas picadas. Ao passar por
baixo de um prédio recebi um balde com pelo menos uns 20 litros de água na
cabeça e corpo. Meu amigo disse que fazem isto para limpar de tudo de ruim que
acontecera naquele ano. Pode até haver um lado lúdico e poético nisto, mas por
que os gólgotas se escondem ou ficam espiando e rindo pela diabrura?
Eu
tinha decidido não perder a paciência. Meu objetivo era relaxar, afinal de
contas os demônios sempre me tentaram e não seria desta vez que eles levariam a
melhor comigo.
Voltei
para o hotel, cheio de estrelas, e fazer dele o meu paraíso, usufruindo de uma
cama maravilhosa, com ar condicionado, completamente pelado coberto apenas por
um lençol enquanto nas ruas o sol ardia como se as portas do inferno realmente
estivessem abertas e aqueles pequenos demônios estivessem nas ruas à procura de
novas vítimas para as suas traquinagens, num país abaixo da linha do equador,
lindo por natureza, porém parado no tempo em que se usava tangas.
Tudo
isto “numa boa”, em meio à fumaça do “cachimbo da paz” que os pequenos demônios
tragavam em plena praça pública.
Que
tenhamos paz! Que tenhamos um ano novo maravilhoso lavado pela água que os
pequenos gólgotas me atiraram...
Mário
Feijó
01.01.14