UMA CRÔNICA
AO MENOS
Mia Couto é um escritor moçambicano
pelo qual eu tenho a maior admiração e respeito. Uma pessoa que coloca em sua
prosa, metáforas como estas, tem a minha admiração.
Vejamos algumas delas grifadas do
Livro Terra Sonâmbula:
“A guerra é uma cobra que usa nossos
próprios dentes para morder”;
“Aos poucos eu sentia nossa família
quebrar-se como um pote lançado ao chão”...
“Em vez de esperarmos a estrada nós
fazemos o nosso caminho”;
“Eu estava parado naquela mulher
como os ferros preguiçosamente estavam cravados no banco de areia”...
“no convés do barco e na chuva eu
estava molhado até dentro dos olhos”...
“insisti, porém o silêncio teimou
mais que eu”...
“o melhor lugar para um ser vivo se
esconder é no meio de um enterro”...
“nos colocávamos em gestos de
afogados”...
“uma vida inteira não seria
suficiente para contemplar aqueles olhos”...
“Cinzas. Se nos olhos dela
dormitavam, em brasas se acenderam”...
“Toquei primeiro em seus dentes,
depois senti sua saliva quente. Parecia que não era apenas um dedo, mas todo eu
inteiro que penetrava numa caverna aquecida. Outro dedo caminhou nos interiores
dela, nervoso de contente”.
“subi por um caminhonito tão
estreito que se duas serpentes quisessem namorar, não iriam conseguir”...
“Ria criança! Rindo as alegrias
acontecem”...
“Este gajo tem os dias descontados”...
“Filho, eu vivi num tempo em que o
amor era coisa perigosa. Você vive num tempo em que o amor é coisa estúpida”...
“A velha durava mais que a sua
validade”...
“Ela se deixa, dissolvida,
sonâmbula, num fecha-te sésamo!”...
“As árvores se sujeitavam às mágoas
da ventania, pois o vento nunca se levanta contente”...
“Falemos baixinho que as paredes têm
mais orelhas que elefantes”...
Isto é Terra Sonâmbula e aqui homens,
feito Mia Couto, tornam-se deuses para criar sonhos e nos levar ao delírio.
Disse Martha Medeiros, em uma
crônica, que alguns escritores nestas horas vestem-se de deuses. Eu partilho desta
opinião. Esta metáfora não flerta com a blasfêmia, ela nos faz pensar que
podemos ir além de nós mesmos e do que queremos.
Poesia é um exercício diário de
olhar a vida com arte, capaz de transformar mundos monocromáticos em planetas
coloridos e mais alegres.
A felicidade pode não pertencer a
este mundo, conforme afirmou Cristo, mas nós não estamos impedidos de
persegui-la. Nem tudo é perfeito, porém eu sou feliz.
Mia Couto diz que aprendeu muito com
Guimarães Rosa e com outros escritores brasileiros e portugueses. Eu também e
afirmo que mestres como: Mário Quintana, Carlos Drumond de Andrade, Cecília
Meireles, Clarisse Lispector, Florbela Espanca, Érico Veríssimo, Machado de
Assis, Manuel de Barros, Cora Coralina e tantos outros desconhecidos como minha
avó, Felicidade, que mesmo analfabeta foi meu chão, minha base.
Hoje eu continuo aprendendo quando
olho para os lados, com meus colegas, com meus alunos, com os trabalhadores que
executam o seu trabalho com amor, com os animais quando olho no olho sinto seus
amores. Aprendo que estou neste planeta aprendendo com tudo e com todos que
interajo. A vida é assim: evolução. E evolução é uma bomba que de vez em quando
explode gerando transformações.
Que cada um que me leia seja tocado
e se descubra, que tenha uma nova visão de si mesmo e do mundo, mesmo que não
aprendam a fazer poesia, a fazer um conto ou uma crônica mas que saibam quando
é hora de mudar, de ser melhores para si mesmos, sem se preocupar muito com o
que o outro pensa...
Mário Feijó
12.02.13