O CHEIRO DOS GIRASSÓIS
Era
uma estrada escura. Sem luzes ficava muito mais assustadora. Eu me sentia
perdido. Não sabia usar as modernas tecnologias disponíveis que os jovens tão
bem entendem. Nós que já não temos mais nada desta juventude temos medo de
todos os botões, como se fossemos acionar uma bomba atômica. Foi nesta hora
numa estrada escura do interior do Paraná que eu sozinho dirigindo experimentei
o primeiro sintoma de pânico. Não sabia para onde seguir...
Parei
o carro e o desliguei. Não havia luzes, não havia lua no céu, não havia casas,
e, não haviam carros na estrada e o céu completamente encoberto por uma espessa
neblina não me deixava ver as estrelas. Talvez elas pudessem me orientar,
embora eu também não entendesse nada de cosmologia ou orientação espacial.
Ao
desligar o carro todas as luzes que eu imaginava existir desapareceram. Eu não
conseguia ver meu próprio corpo. Estiquei a mão e não a via. Nesta hora eu me
senti um fantasma. Só existia em mim pensamentos. O pânico se instalou. Eu gritava
e chorava e para ter a sensação de que estava vivo comecei a respirar fundo e
com o celular tentei ligar pra pessoa, cujo endereço eu estava indo, no
interior de São Paulo, ou seja, Oeste Paulista.
O
local onde eu estava parado era uma rodovia que passava fora de qualquer
cidade, e eu tinha certeza que já tinha passado por ali, pelo menos umas três vezes,
por isto parei.
Conversando
com a pessoa que foi tentando me acalmar e dar indicações de onde eu estava e,
qual o caminho eu deveria seguir.
Liguei
o carro novamente e fui em frente. O trajeto que eu estava fazendo era de
Florianópolis para Presidente Prudente, e de lá para o pequeno lugarejo chamado
Emilianópolis, uma pequena cidade com 2.300 habitantes. Eu deveria fazer o
trajeto em doze horas, fiz em dezenove horas. É que eu ficava circulando pelo
mesmo lugar. Tinha visto uns tonéis de inox, da Cocamar que armazenam óleo,
talvez de girassóis ou soja. Eu deveria chegar meia noite, cheguei sete e
trinta da manhã.
Aquela
escuridão me fez reviver minha vida por inteiro, com lembranças de uma pequena
casa, pai, mãe e seis filhos. Não era uma boa lembrança. Não havia lirismo naquela
infância. Lá eu não aprendi a amar. Tinha medo de tudo. Eu me sentia fraco e
covarde para lutar contra tudo e contra todos. E o medo daqueles tempos onde o
carrasco não era mais meu pai, nem os colegas de escola, nem as pessoas na rua.
O carrasco agora era eu e eu tinha que vencer este carrasco que novamente me
assombrava. O medo tinha crescido e agora se transformava em pânico.
Enquanto
isto eu pensava:
-
Onde estão as luzes da cidade? Onde elas se esconderam? Onde estão as cidades
do meu caminho?
Sumiram
todas! Sumiram as pessoas, sumiram os bichos, até eu sumi na escuridão.
Estou
envelhecendo e vagarosamente sumiram: primeiro meus pais (já falecidos). Sumiram
meus irmãos que foram viver suas vidas com suas famílias. Sumiram os filhos que
foram casando, tendo filhos, separando e vivendo seus próprios problemas. Sumiram
os amigos, que assim como eu, também foram se perdendo uns dos outros, outros
se descobrindo pelas redes sociais, porém cada um vivendo suas vidas e não
tendo tempo para nos dar um pouco de seus tempos, nem para se fazerem presentes
na nossa história. Não há tempo para sentar e ficar lamentando. Todos temos que
seguir em frente. O mundo atual é muito ágil e ninguém mais fica preso, nem ao
seu passado, nem ao passado do outro. Donde se conclui que não há espaço para
deixar o pânico nos atormentar. Temos que seguir em frente, colocar uma máscara
sorridente e viver a vida que temos.
Finalmente
as luzes da cidade aparecem. Hoje a lua está cheia e mesmo à noite, em meio aos
girassóis, que ainda estão naquela estrada eu sei para onde ir, e, os cheiros
das flores, agora, são o antídoto para a solidão e o pânico que me atormentava.
Agora
descobri a estrada, sei para onde ir, e sei o que me espera no final deste
caminho, onde moram os girassóis.
Mário Feijó
23.07.24