O MENINO ENDIABRADO
Outro
dia lhe chamaram assim: Menino Endiabrado. Ninguém queria saber suas razões. Ninguém
queria saber por que ele não tinha casa e parecia não ter pai, mãe e irmãos. A razão
é que seus pais e irmãos foram mortos, os demais parentes, ou aqueles que
sobraram foram embora daquela pobreza, daquela terra sem lei.
O menino
não tinha ninguém, então agredia aos outros e fazia mal a si mesmo. Não tinha
ninguém para amar, restara-lhe o ódio: pela vida e pelos outros.
Lembrava
ainda do último que se fora: seu irmão com apenas três anos que se protegia,
junto dele no chão, das balas perdidas entre duas gangues. De repente seu corpo
sofreu uma estremeção soltou um único gemido e calou-se para sempre. Havia apenas
um buraco na cabeça.
El
Louco, o menino endiabrado, tinha apenas onze anos. A pele era queimada de sol,
suja pela poeira.
Morava
numa vila esquecida por Deus e lembrada pelo Diabo que vinha sempre buscar mais
um. Quando a calmaria batia no lugar o menino saia a esmo procurando algo para
comer ou roubar. Colecionava coisas. Parara de colecionar mortos porque não lhe
restara mais ninguém e tampouco alternativas.
O Menino
Endiabrado assustava os moradores da vila, não porque queria, mas não tinha
outra alternativa. Era sua única forma de chamar a atenção e de se defender:
não tinha nada a perder. Era sua maneira de desafiar a morte. E se ela viesse
estava pronto, não a temia. Ninguém iria por ele chorar. Lamentos? Não! Não haveriam:
ele nem sabia por que vivia. E viver assim: pra quê? Pensava.
Até
que um dia na vila entrou o patrão. Perdido, empoeirado, a cavalo querendo falar
com seus pais. O garoto se divertia. O homem tornara-se igual a ele ali. Então jogava-lhe
pedras e se escondia. Sabia que aquele homem era o dono da vila. Que nunca
tinha vindo ali, mas o conhecia da vez que fora com seus pais à cidade e entrara
na casa do patrão.
O homem
nada entendia. Não sabia que o lugar tornara-se “terra-de-ninguém” e num momento
de trégua quando o menino curioso se aproximou chamara-o e depois de saber de
toda a sua história o convidara para ir com ele.
Passado
algum tempo a vila se acalmara. Fora-lhe imposta ordem. A paz e o progresso
voltaram: o menino cresceu. Agora era o dono de tudo. Seu novo pai o educara e
lhe passara a responsabilidade de tudo. Ele começou a cuidar de sua gente. Descobrira
um tio, uma tia e dois primos entre os moradores da vila. Começou a ajudá-los...
A vila
prosperara e naquele lugar onde todos eram mestiços, a vida se modificara. O Menino
Endiabrado se tornara um homem de bem e estava ajudando aos habitantes do lugar
com educação e saúde.
As
crianças não mais corriam descalças. Estavam na escola. As casas tinham lindos
jardins floridos... começou até a ser chamada de Vila Formosa.
Mário
Feijó
29.04.14