ELE A FEZ FELIZ EM VIDA, MAS A ENSINOU A SOBREVIVER COM A
SUA MORTE...
Ela era doce, feito uma colherada
de mel que tomamos em jejum. Tinha ares de princesa e se eu tocasse meus lábios
em sua pele sentiria o gosto de fruta madura, pronta pra ser digerida. Mas meu
olhar de gula era somente de quem aprecia o belo. Era uma das garotas mais
inteligentes da nossa turma de faculdade. Eu via estrelas toda vez que ouvia o
seu riso de cachoeira. Em momento algum fui apaixonado por ela, mas tinha uma
admiração que rimava com seu nome “endeusamento” – Neusa é o seu nome.
Um dia vi seu namorado. Combinava
com ela perfeitamente. Era quase um menino feito ela, tinham na época um pouco
mais de 20 anos. Toda vez que eu o via chegar imaginava que ele tinha deixado
um cavalo branco na porta da faculdade e vinha busca sua princesa para
passearem num bosque e depois voltar a um castelo. Era um rapaz muito bonito,
do tipo que eu jamais fui. Queria ter aquele cabelo, aquele sorriso e aquele
olhar apaixonado pela vida como ele tinha por ela. Coincidentemente se chamava
Daniel, como meu filho mais moço na época (e que morrera pouco depois em um
acidente de carro). Mas continuando nossa história: ele fazia Engenharia. Eu também
sempre quis fazer engenharia, mas era muito pobre para cursar esta faculdade. Sem
nem saber o que significava no inicio, cursei Administração de Empresas.
Acabei me tornando um amigo
distante do casal. Tipo amigo de faculdade. Achei que se me aproximasse muito
ele poderia sentir ciúmes, coisa que todo adolescente sente quando percebe que
alguém do sexo oposto é amigo do seu par.
O tempo passou. A vida nos
levou por muitos caminhos. Ficamos distantes, mas toda vez em que nos encontrávamos
eu admirava o casal, até que no ano passado, ou retrasado eu me encontrei com a
turma e descobri que ele estava com câncer. Fiquei observando e descobri que
aquele homem devia ser um anjo. Eu aprendi muitas lições neste último encontro
sem muita conversa, só observando a sua maneira de viver. Ele estava vivendo
seus últimos dias a ensinar quem se aproximasse a viver. Ao mesmo tempo, penso
eu, estava ensinando a ela – seu amor – a viver sem ele depois da partida. Nem conheceu
sua primeira neta.
Agora quando eu olho pra ela
vejo que ela não se descabelou. A vida continua, e disse-lhe o que escrevi neste
título de crônica. Aí ela quase desmoronou em lágrimas. Havia ali dentro
daquela mulher, hoje com 64 anos, que mantem a mesma carinha dos vinte e poucos
anos, uma torrente de emoções e de amor represado. Ela continuou vivendo, sem
fazer dramas, distribui sorrisos e derrama entre nós risos de cachoeira fresca.
Como não amar uma pessoa assim?
Eu penso que precisamos de mais
seres humanos menos mesquinhos, feito Neusa e Daniel. Sempre que os via juntos lembrava
de Romeu e Julieta, antes da tragédia. Achava que os dois viveriam para sempre.
Nunca aventei a hipótese de morte separando-os. No entanto não somos eternos. A
vida continua e eu sou um adepto de que continuamos vivos numa outra dimensão. Então
tudo o que vivemos é crescimento e aprendizado para outra etapa.
Semana passada nos encontramos.
Ela agora sozinha, mas eu sentia que Daniel se escondia no sorriso dela.
Eu não poderia deixar de
eternizar o meu pensamento sobre o amor, mais especificamente sobre este amor. Talvez
Daniel se me lesse agora até estranharia, pois não convivemos muito amiúde, nem
fomos amigos íntimos, mas basta um pouco de sensibilidade e amor para que
estejamos próximos de quem gostamos. E eu sempre os amei.
Há nesta turma de faculdade que
começou em 1972 na UFSC um monte de histórias lindas e de superação, como a de
Ronilda, minha parceira desde os primeiros anos escolares e que nos ensina a
viver. Hélia que se esconde em seu drama, não menos doído, ou o de Rosa, agora
quase carequinha mas que nos encanta sempre que nos encontramos, feito as rosas
que perfumem e colorem nossos jardins.
Eu estou atento à vida,
procurando aprender com minhas histórias, sofrendo e me solidarizando com os
amigos, mas vivendo à
procura da Felicidade. Nunca se sabe onde a encontraremos, mas vivamos bem e
toquemos em frente, agora que a idade começa a ficar pesada.
Com amor,
Mário Feijó
11.01.18
Nenhum comentário:
Postar um comentário